1965
Temperatura e embalagens na conservação pós-colheita de Eugenia uvalha Cambess - Mirtaceae
Ciência Rural, v.34, n.6, nov-dez, 2004.
Ciência Rural, Santa Maria, v.34, n.6, p.1965-1968, nov-dez, 2004
ISSN 0103-8478
Temperatura e embalagens na conservação pós-colheita de Eugenia
uvalha Cambess - Mirtaceae
Silvana de Paula Quintão Scalon
1
Paolo Dell’Olio
2
José Luiz Fornasieri
3
Temperature and packs in post harvest conservation of Eugenia
uvalha Cambess - Mirtaceae
- NOTA -
1
Biólogo, Doutor, Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), Rodovia Dourados/Itahum, Km 12, Bairro Rural, 79804-
970, Dourados, MS, Brasil. E-mail sscalon@ceud.ufms.br
2
Acadêmico do Curso de Agronomia, Universidade Torino, Itália.
3
Engenheiro Agrônomo, Doutor, UFMS.
RESUMO
Esse trabalho foi desenvolvido com o objetivo de
avaliar o efeito de embalagens para modificar a atmosfera e
a temperatura de armazenamento sobre a perda de massa e
sobre os atributos de qualidade da uvaia (Eugenia uvallha).
No início do experimento e após 1, 2, 3 e 4 dias de
armazenamento, à temperatura ambiente (32
o
C) e 3, 6, 9, e
12 dias de armazenamento, sob refrigeração (13
o
C), as uvaias
foram pesadas e avaliadas quanto ao teor de sólidos solúveis
totais (SST), acidez total titulável (ATT) e pH. O experimento
foi conduzido em delineamento inteiramente casualizado em
esquema fatorial 2 (temperaturas) x 3 (embalagens) x 5
(dias de armazenamentos) com três repetições de 20 uvaias.
A perda média de massa das uvaias armazenadas sem emba-
lagem (8,46%) foi 2,3 e 19,5 vezes maior que daquelas em-
baladas em PVC (3,71%) e “CF film” (0,44%), respectiva-
mente. As uvaias embaladas conservaram a aparência e qua-
lidade para comercialização quando armazenadas até qua-
tro dias a 30
o
C e 12 dias em refrigerador. SST, ATT e pH
variaram durante o armazenamento.
Palavras-chave: armazenamento, refrigeração, perda de
massa.
ABSTRACT
This work was carried out with the objective of
evaluating the effect of two kinds of packs to modify
atmosphere and storage temperature on fresh weight loss
and on quality attributes of “ uvaias” (Eugenia uvalha). At
the beginning of the experiment and after 1, 2, 3 and 4 days
of storage at environment conditions and 3, 6, 9 and 12
days of storage under refrigeration (13
o
C), “uvaia” fruits
were weighted and evaluated concerning soluble solid
contents (SSC), total titritable acidity (TTA) and pH. The
experiment was carried out in a complete randomized design
in 2 (temperatures) x 3 (packs) x 5 (days of storage) factorial
s c h e m e w i t h t h r e e r e p l i c a t i o n s w i t h 2 0 “ u v a i a s ” .
Average fresh weight loss of storage “ uvaias” without
packing (8,46%) were 2,3 and 19,5 times bigger than
t h o s e p a c k e d i n P V C ( 3 .7 1 % ) a n d C F F i l m ( 0 .44 % ) ,
respectively. Packed “uvaias” keep appearance and
quality for commercialization when stored until four days
under 30ºC and 12 days in 13ºC. SSC, TTA and pH varied
during storage.
Key words: storage, refrigeration, fresh weigtht.
A uvaia (Eugenia uvalha Cambess) é uma
espécie arbórea da família Mirtaceae também conheci-
da como uvalha, uvaia-do-mato, uvalheira. Os frutos
podem ser consumidos in natura, na forma de sucos,
geléias e doce em pasta (ANDERSEN & ANDERSEN,
1988) e apresentam umidade em torno de 90,7%; teor
de vitamina C, variando de 33 a 39,52 mg 100g
-1
, 1,53 %
Recebido para publicação 31.07.03 Aprovado em 07.07.04
1966
Scalon et al.
Ciência Rural, v.34, n.6, nov-dez, 2004.
de acidez, sólidos solúveis de 7,5
o
Brix e relação SST/
ATT de 4,90 (CARVALHO, 1988; DONADIO, 1997).
A qualidade dos frutos é atribuída ao seu
tamanho e forma e à cor da casca. Esses fatores, asso-
ciados à composição físico-química da polpa, ofere-
cem aos frutos e aos produtos deles obtidos a quali-
dade organoléptica e nutricional, responsáveis pela
aceitação definitiva desses no mercado. Como para a
maioria dos frutos o conteúdo de água situa-se entre
80-95%, sua perda resultará em enrugamento dos teci-
dos, amaciamento da polpa e perda de peso, caracte-
rística essa muito importante para os frutos
comercializados com base em peso.
Segundo CHITARRA & CHITARRA
(1990a), modificação da atmosfera no armazenamento
de frutos e hortaliças, complementando ou substitu-
indo a refrigeração é uma técnica que tem sido usada
nas últimas décadas. Essa técnica tem conseguido
prolongar a vida pós-colheita dos frutos,
minimizando as perdas de massa, reduzindo a taxa
respiratória e produção de etileno, sem provocar al-
terações na cor, acidez titulável, pH, sólidos solúveis
e conteúdo de ácido ascórbico conforme observado
em kiwi (MAZARO et al., 2000); morango ( LI &
KADER, 1989; SCALON et al., 1996); manga (MELO
NETO et al., 1999), acerola (ALVES, 1993), dentre
outras frutas.
Como são raras as informações referentes
à conservação pós-colheita da uvaia, este trabalho foi
desenvolvido com o objetivo de avaliar o efeito de
dois tipos de embalagens para modificar a atmosfera e
temperatura de armazenamento sobre a perda de mas-
sa e os atributos de qualidade como sólidos solúveis
totais, acidez total titulável e pH .
As uvaias foram colhidas pela manhã no
pomar da Universidade Federal do Mato Grosso do
Sul – MS, selecionadas por tamanho e cor e acondi-
cionadas em bandejas de isopor 15 x 12cm. As ban-
dejas foram pesadas, embaladas e armazenadas em
refrigerador a 13 ± 2
o
C e à temperatura ambiente a 30
± 2
o
C. Para modificação da atmosfera, foram utiliza-
das as embalagens de PVC laminado (Cloreto de
polivinila) e CF film (filme conservante, embalagem
plástica contendo absorvente de etileno), e bande-
jas sem embalagem que serviram como tratamento
testemunha.
As uvaias foram pesadas e avaliadas quan-
to ao teor de sólidos solúveis totais (SST), acidez to-
tal titulável (ATT) e pH segundo AOAC (1992), no
início do experimento; após 1, 2, 3 e 4 dias de
armazenamento à temperatura ambiente; 3, 6, 9, e 12
dias de armazenamento, sob refrigeração, totalizando
cinco épocas.
Durante as avaliações, foram realizadas ava-
liações quanto à aparência dos frutos, baseadas na
escala de notas: 0 = frutos perfeitos; 1 = frutos sem
brilho ; 2 = frutos com murcha leve; 3 = frutos com
murcha acentuada e impróprios para comercialização;
4 = frutos com mofo e murcha acentuada, e impróprios
para comercialização
O experimento foi conduzido em delineamen-
to inteiramente casualizado em esquema fatorial 2 (tem-
peraturas) x 3 (embalagens) x 5 (dias de armazenamento)
com três repetições e unidade experimental composta
por uma bandeja com 20 uvaias. Os dados foram ava-
liados pelo teste F e a médias comparadas pelo teste de
Tukey a 5% de probabilidade de erro, sendo realizada
análise de regressão para os efeitos dos dias de
armazenamento sobre a perda de massa.
Não houve interação tripla significativa
entre os fatores em estudo para nenhuma das caracte-
rísticas avaliadas. Para as duas condições de
armazenamento e embalagens, as uvaias apresenta-
ram um comportamento linear de perda de massa ao
longo dos dias de armazenamento (Figuras 1a e 1b).
As uvaias embaladas apresentaram me-
nor perda de massa comparado com aquelas sem
embalagem (Tabela 1), apresentando em média 3,71
e 0,44% quando embaladas em PVC e CF film res-
pectivamente e 8,46 sem embalagem. Sob tempera-
tura ambiente, as uvaias armazenadas sem embala-
gem apresentaram perda de massa 1,8 e 9 vezes mai-
or que naquelas em PVC e CF film respectivamente,
enquanto que sob refrigeração as perdas foram de
1,7 e 51,4 vezes maior, embora o tempo de
armazenamento sob refrigeração, tenha sido três
vezes maior, evidenciando o efeito da embalagem
na redução da perda de massa das frutas. Essa dife-
rença pode ser devida ao grau de permeabilidade da
embalagem à água e aos gases.
Esse resultado sugere que a embalagem
associada à refrigeração proporcionou uma taxa
transpiratória menor dos frutos ao manter uma mai-
or umidade relativa no ambiente e menor atividade
respiratória nos frutos, os quais, quando armaze-
nados sob refrigeração por 12 dias, apresentaram
proporcionalmente menor perda de massa que
aquelas sob temperatura ambiente.
CARVALHO & LIMA (2002) observaram,
em sua revisão, que a perda de massa tem efeitos
sobre a fisiologia dos tecidos vegetais, podendo
antecipar a maturação e a senescência de frutos
tropicais. Essa perda depende do tempo de
armazenamento e da transpiração. A perda de água
é a causa principal da deterioração, resultando não
somente em perdas quantitativas, mas também na
1967
Temperatura e embalagens na conservação pós-colheita de Eugenia uvalha Cambess - Mirtaceae
Ciência Rural, v.34, n.6, nov-dez, 2004.
a p a r ê n c i a , c a u s a n d o o m u r c h a m e n t o e
enrugamento, na qualidade textural (amaciamento
e perda de frescor e suculência) e em qualidade
nutricional.
O teor de sólidos solúveis totais não va-
riou significativamente entre as embalagens, po-
rém, apresentou valores médios mais altos nas
uvaias sob temperatura ambiente (6,59
o
Brix). O teor
médio de SST (6,2
o
Brix), neste trabalho, encontra-
se abaixo daquele observado por DONADIO
(1997). Provavelmente as condições de clima e de
cultivo podem ter influenciado nessa resposta.
O pH e a acidez também não variaram signi-
ficativamente entre os tipos de embalagens utilizadas,
à temperatura e o tempo de armazenamento, com mé-
dias de 2,87 (pH) e 3,98% (ATT) respectivamente.
Sob refrigeração, os frutos testemunha
apresentaram elevação do pH acompanhada da
ATT, o que poderá ser explicado pela maior perda
de água observada nessa condição, contribuindo
assim, para concentrar os ácidos orgânicos pre-
sentes no suco celular e elevar aparentemente a
acidez, uma vez que, baseado em revisão realiza-
da por CALEGANO et al. (2002), os ácidos orgâ-
nicos tendem a diminuir durante o amadurecimen-
to dos frutos, em virtude de sua utilização como
substrato respiratório.
Os sintomas de murcha sob temperatura
ambiente foram observados aos três dias de
armazenamento para as uvaias sem embalagem; sob
refrigeração, foram observados aos nove dias para as
uvaias sem embalagem, e doze dias para PVC e CF film.
As frutas testemunha já não apresentavam qualidade
comercial aos quatro e doze dias sob ambiente e refri-
geração, respectivamente.
Embora os atributos químicos dos frutos
não tenham apresentado variação significativa entre
as embalagens, mas, considerando que a aparência
murcha dos frutos pode inviabilizar sua
comercialização in natura, o investimento em embala-
gens pode garantir um produto de melhor qualidade,
principalmente se o produto for comercializado com
base no peso.
As uvaias embaladas conservaram a apa-
rência e qualidade para comercialização quando arma-
zenadas até quatro dias sob temperatura de 30 ± 2
o
C e
Figura 1 - Perda de massa de uvaias armazenadas sem embalagem , em embalagem de PVC e em CF film sob temperatura ambiente
30 ± 2
o
C (a) e refrigeração 13 ± 2
o
C (b).
Tabela1 - Perda de massa e teor de sólidos solúveis totais (SST)
de uvaias armazenadas.
Embalagem Ambiente
(4 dias)
Temperatura refrigeração (12 dias)
Perda de massa (%)
Testemunha
6,53 Ab
10,64 Aa
PVC
3,603 Ba
3,81 Ba
CF film
0,73 Ca
0,21 Cb
SST
o
Brix
Testemunha
7,26 a
6,73 b
PVC
6,40 a
5,31 b
CF film
6,12 a
5,40 b
Médias seguidas de mesma letra maiúscula na coluna e minúscula
na linha são estatísticamente iguais entre si pelo teste de Tukey a
5% de probabilidade de erro.
1968
Scalon et al.
Ciência Rural, v.34, n.6, nov-dez, 2004.
12 dias em refrigeração a 13 ± 2
o
C.
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