Metabolismo do Etanol



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Metabolismo do Etanol

Sabemos que o álcool penetra em todos os tecidos, podendo causar lesões em qualquer órgão. Acompanhemos a sua trajetória no corpo humano. O álcool ingerido é absorvido inalterado pelo estômago e intestino delgado e cinco a dez minutos após a sua ingestão já é detectado no sangue. Atinge suas concentrações sangüíneas máximas entre trinta a noventa minutos após. A ingestão prévia de leite ou gordura pode dificultar a absorção do álcool, e o jejum e a ingestão de água a facilita. Praticamente quase a totalidade do etanol ingerido é modificado mediante oxidação a aldeído acético e, subseqüentemente, até a dióxido de carbono (C02) e água. Menos de 10% podem ser eliminados pelo organismo sem transformações metabólicas, através dos pulmões e, em menor quantidade, pelos rins. A oxidação ocorre principalmente no tecido hepático (95%), com liberação de energia (7,1 kcal/g). A "energia alcoólica", ao contrário de outras fontes energéticas (por exemplo, os lipídios e glicídios), não é armazenada deforma eficiente, dissipando-se como calor. O álcool é por isso chamado de fonte de "caloria vazia" ou não-aproveitável bioquimicamente.



Segundo Morgan (1982), em alcoolistas ainda sem complicações orgânicas não há evidência de déficit na ingestão alimentar dos nutrientes protéicos glicídicos e lipídicos. Entretanto, já precocemente tem sido demonstrada uma deficiência de vitamina Bi e ácido fólico. Na evolução do alcoolismo, o indivíduo, mesmo com uma dieta normal, pode desenvolver complicações orgânicas estabelecendo-se uma desnutrição como conseqüência do efeito danoso direto do álcool e seus metabólitos nos tecidos (Lieber, 1982).



Figura 6.1. Dano e desnutrição no alcoolista

A ingestão alimentar adequada, portanto, não protege o alcoolista de complicações orgânicas. Em estágios avançados da sua doença, o alcoolista torna-se malnutrido por aproveitamento insatisfatório dos alimentos ingeridos e por déficit alimentar progressivo.



Alterações Metabólicas e Lesões Orgânicas

O que acontece na intimidade dos tecidos com a molécula de etanol absorvida? Qual é o mecanismo para a produção do dano orgânico? Utilizemos como modelo a célula hepática, onde acontece a maior parte da transformação bioquímica do etanol. Vejamos os passos metabólicos principais e as suas conseqüências danosas ao organismo1 utilizando o modelo de Lieber e colaboradores (1982).





Figura 6.2. oxidação do etanol no hepatócito e ligação dos dois produtos (acetaldeído e hidrogênio) aos distúrbios no metabolismo intermediário, incluindo-se as anormalidades do metabolismo lipídico, dos carboidratos e proteínas. Abreviações: NAD = dinucleotídeo nicotinamida-adenina; NADPH = NAD reduzido; NADP = dinucleotídeo nicotinamida-adenina-fosfato; NADPH = NADP reduzido; MEOS = sistema microssomal oxidante do etanol e ADH = desidrogenase do álcool. As linhas pontilhadas indicam as vias metabólicas que são deprimidas pelo etanol. O símbolo significa interferência ou ligação.


Acompanhe na figura o texto a seguir:

O etanol penetra no hepatócito e é transformado através de três vias alternativas em aldeído acético. A via preferencial utiliza o sistema enzimático ADH + NADINADH no citosol celular produzindo aldeído acético. Pelo acúmulo de NADH, gera-se urna importante alteração no potencial redox intracelular. As mais importantes repercussões metabólicas pelo excesso de NADH são:



1.1. Hiperlactacidemia

A hiperlactacidemia pode ocorrer pela inversão na relação de piruvato/lactato com elevação do lactato no fígado e corrente sangüínea causando uma leve acido-se láctica e diminuição da excreção urinária de ácido úrico. Pode precipitar ataque de artrite gotosa em pacientes propensos à gota.



1.2. Elevação dos Níveis de Gorduras

Há elevação de glicerofosfatos, triglicerídios e ácidos graxos com acúmulo intra-hepático, originando esteatose e/ou esteatonecrose, que são o primeiro estágio da lesão hepática induzida pelo álcool. Simultaneamente ocorre uma hiperlipidemia às custas de triglicerídios à corrente sangüínea.



1.3. Inibição da Síntese Protéica

Há uma inibição generalizada na síntese protéica. Entretanto pode ocorrer um aumento de produção de uma proteína específica, o colágeno, principalmente na zona perivenular hepática (Figura 6.3) podendo acarretar a fibrose perivenular considerada como lesão precursora da cirrose hepática.





Figura 6.3. Representação esquemática de biópsias hepáticas (Seitz, 1985).

1.4. Desestruração no Sistema de Canais

A desestruturação no sistema de canais (microtúbulos) intracelulares que transportam as proteínas hepáticas para fora da célula provoca uma retenção hepática das chamadas "proteínas de exportaçào", com consequente hepatomegalia. A hepatomegalia pelo álcool é causada, em partes iguais, por acúmulo dessas proteínas "de exportação (50%) e de gordura (50%) nos hepatócitos.



1.5. Deformação e Disfunção Mitocondrial

A deformação e disfunção mitocondrial é conseqüência, mas, por sua vez, também é geradora de um acumulo de mais aldeído acético, ácidos graxos e diminuição na respiração mitocondrial.



1.6. Diminuição do Glutation

O glutation (OSH) é um dos sistemas de proteção hepática contra substâncias hepatotóxicas.

A segunda via de transformação do etanol é o Sistema MEOS localizado no Retículo Endoplasmático Liso (REL). Essa via metabólica cresce proporcionalmente com o aumento na ingestão de etanol (indução enzimática) e tem papel muito proeminente nos alcoolistas "pesados", Acredita-se que nesses pacientes a hipertrofia do REL produza não só maior eficiência na eliminação do etanol, mas também de outras drogas que são, aí, também metabolizadas.

Isso causa uma tolerância cruzada do etanol com benzodiazepínicos, barbituratos, anestésicos e outras drogas. Outras conseqüências dessa hipertrofia do REL são a ativação acelerada de metabólitos tóxicos e a hipoxemia severa.



1.7. Ativação Acelerada de Metabólitos Tóxicos

Há ativação acelerada de metabólitos tóxicos da isoniazida, acetaminofen, tetracloreto de carbono e carcinógenos, quando acontece hipertrofia do REL.



1.8. Hipoxemia Severa

O consumo exagerado de oxigênio e outros nutrientes, como a vitamina A, causa hipoxemia severa à região perivenular, cegueira noturna e/ou disfunção sexual.

A terceira via de transformação do etanol ocorre em corpúsculos subcelulares denominados peroxissomas, utilizando o sistema enzimático das catalases. Essa terceira via parece ter menor importância do que as descritas.

Voltemos ao nosso modelo esquemático e observemos novamente que, além da profunda desorganização intracelular causada diretamente pelo etanol e aldeído acético, alterações em outros produtos metabólicos (hipoglicemia, cetonemia, hiperuricemia, hiperlipidemia) irão gerar conseqüências danosas a distância, em todo o organismo, numa verdadeira "reação em cadeia".



Problemas clínicos no alcolista

2.1. Sistema Digestivo

Os sintomas e sinais digestivos são uma parcela significativa dos problemas encontrados em alcoolistas (Figura 6.1). Alguns desses problemas mais comuns e suas prováveis causas são:



SINTOMAS

ÓRGÃO

POSSÍVEIS CAUSAS

AZIA

ESÔFAGO

Refluxo gastroesofágico; esofagite péptica; doença motora (neuropatia esofágica alcoólica)

ESTUFAMENTOS/GASES

ESTÔMAGO

Gastrite aguda

PÂNCREAS

Pancrealite crônica

FÍGADO

Cirrose

INTESTINOS

Síndrome de má-absorção; doença motora (neuropatia gastrintestinal alcoólica)

NÁUSEAS/VÔMITOS

SNC

Síndrome de dependência do álcool

ESTÔMAGO

Gastrite/Úlcera

FÍGADO

Hepatite alcoólica

PÂNCREAS

Pancreatite crônica

DOR ABDOMINAL

ESTÔMAGO

Gastrite aguda/úlcera péptica

PÂNCREAS

Pancreatite crônica

FÍGADO

Hepatite alcoólica

DIARRÉIA

INTESTINOS

Síndrome de má-absorção

FÍGADO

Cirrose

PÂNCREAS

Pancreatite crônica

ODINOFAGIA/DISFAGIA

ESÔFAGO

Esofagite péptica; doença motora esofágica; carcinoma epidermóide; estenose péptica

HEPATOMEGALIA

FÍGADO

Esteatose hepática; hepatite alcoólica; cirrose

Tabela 6.4. Problemas digestivos no alcoolista e suas prováveis causas.


2.1.1. Azia:

Azia é um problema comum em alcoolistas, freqüentemente precipitado pela ingestão de álcool. Provavelmente, a causa mais comum seja o refluxo do conteúdo gástrico para o esôfago, provocando uma esofagite aguda ou crônica.



2.1.2. Náuseas/Vômitos:

É comum o bebedor ocasional, não-alcoolista, apresentar após um consumo excessivo (porre ou intoxicação aguda) náuseas e vômitos de curta duração, associados com mal-estar generalizado (ressaca). O mecanismo é desconhecido, mas provavelmente mediado pelo sistema nervoso central e pelo estômago (inflamação gástrica aguda transitória).

O quadro de náuseas e/ou vômito matinais em alcoolista, associados ou não a tremores, pode representar um sinal precoce de dependência do álcool. Entretanto, alterações patológicas, principalmente digestivas, podem já estar associadas.

Quando as náuseas e/ou vômito se prolongam ou são associados à distensão e dor abdominal, podem indicar um quadro de gastrite erosiva, pancreatite crônica reexacerbada ou hepatite alcoólica. Os vômitos prolongados ou severos podem ocasionar uma laceração da junção esofagogástrica, produzindo hemorragia digestiva (síndrome de Mallory-Weiss).



2.1.3. Estufamento/Gases:

São queixas vagas, mas valorizadas pelos pacientes e desprezadas pelos médicos. Outros sintomas (diarréia, dor abdominal episódica) devem ser pesquisados, podendo sugerir uma variedade de complicações orgânicas, tais como a síndrome de má-absorção, cirrose ou pancreatite crônica.



2.1.4. Dor abdominal:

Dor abdominal é uma das queixas mais comuns na clínica médica. No indivíduo que consome álcool excessiva ou esporadicamente, a dor pode estar associada com lesão nos seguintes órgãos:



a) estômago/duodeno: apesar dos efeitos lesivos diretos do álcool na mucosa gastroduodenal, verificados por endoscopia ou visão direta, causando uma gastrite aguda, caracterizada por erosões e petéquias, não há uma maior incidência de ulcera péptica em alcoolistas. Entretanto, devido à sua ata prevalência na população geral (10%), é comum o diagnóstico de ulceração péptica também em indivíduos que consomem álcool. No paciente com dor abdominal persistente, deve ser considerada a investigação endoscópica e/ou radiológica do trato digestivo superior. Tanto a gastrite aguda alcoólica quanto a doença péptica ulcerosa no alcoolista têm evolução clínica favorável quando tratadas com as medidas usuais e com suspensão da ingestão alcoólica.

b) pâncreas: é claramente estabelecida a relação entre consumo de álcool e a pancreatite crônica que se manifesta como dor epigástrica em episódios recorrentes com irradiação para o dorso, associada a lento emagrecimento.

Por mecanismos ainda desconhecidos há deposição de "rolhas" de proteína, ricas em cálcio, nos ductos ocasionando urna verdadeira litíase pancreática, com bloqueio ao fluxo da secreção do pâncreas. Em conseqüência, há episódios de inflamação recorrentes, manifestados por dor. Durante os relapsos dolorosos, é possível detectar-se elevação na amilase sérica. Nos intervalos do quadro doloroso, a dosagem da lipase sérica e o estudo ecográfico parecem ser a melhor abordagem diagnóstica. Entretanto, na fase inicial da doença, é difícil o diagnóstico.

A última convenção internacional sobre pancreatites, em 1985, em Marselha (Sales, 1985), reitera que os quadros de dor pancreática associada ao álcool representam agudizações da forma crônica e não, como comumente aceito, quadros de pancreatites agudas. Em outras palavras, ao paciente com dois ou mais episódios de dor abdominal por pancreatite comprovada ou fortemente suspeitada, a abstinência total do etanol deve enfatizada, pois desacelera-se a progressão de um processo que não é agudo, já é crônico, com nítida diminuição nos episódios de dor e no risco de abuso/dependência de analgésicos opiáceos, tão comumente encontrado nesses indivíduos.

2.1.5. Diarréia:

A diarréia ocorre freqüentemente (30-40%) após a intoxicação alcoólica aguda ocasional (porre) e, provavelmente, em maior incidência em alcoolistas.

Quando persístente1 a diarréia pode significar uma síndrome de má-absorção (SMA). Precocemente, afeta o transporte intestinal de tiamina (vitamina B1) e ácido fálico e, tardiamente, a absorção de aminoácidos, açúcares e outras vitaminas. Tem como conseqüência invariável uma importante desnutrição vitamínica e calórico-protéica, facilitando o desenvolvimento de neuropatias e diminuindo a resistência às infecções.

No paciente alcoolista que persiste com diarréia após duas semanas de abstinência ao álcool, excluindo-se o diagnóstico de parasitose intestinal, deve ser considerada a possibilidade de lesão orgânica crônica.

Após uma avaliação clínica detalhada, deve ser considerada urna investigação laboratorial e radiológica. O teste laboratorial inicial deve ser a medida das gorduras fecais.

Vários mecanismos podem mediar a diarréia ou a SMA no alcoolista:



a) má digestão por doença hepática ou pancreatite crônica;

b) alteração na motilidade intestinal;

c) intolerância ao leite (lactose) por inibição da enzima lactase;

d) diminuição na absorção da água, eletrólitos e nutrientes pela inibição da enzima NA/K ATPASE;

e) secreção excessiva de água e eletrólitos pelo estímulo do AMP cíclico no cólon.

2.1.6. Odinofagia/Disfagia:

A dor na deglutição (odinofagia) ou a dificuldade na deglutição (disfagia) ocorrem freqüentemente por esofagite e espasmo difuso do esôfago. Quando persistente e/ou progressiva, sugere uma obstrução mecânica, seja por estenose péptica seja neoplásica, devendo ser imediatamente abordada por investigação radiológica e/ou endoscópica. Ao contrário da esofagite péptica1 em que não há evidência de uma maior incidência em alcoolistas quando comparados com a população geral, há claras indicações epidemiológicas apontando o álcool como fator de risco para o desenvolvimento do câncer esofágico (carcinoma epidermóide), principalmente quando associado como hábito de fumar (Gráfico 6.3).



2.1.7. Hepatomegalia:

A hepatomegalia é, provavelmente o achado mais freqüente no exame físico do alcoolista. Na maioria dos pacientes, é assintomática, sendo detectada apenas se o abdome for examinado. Muitas vezes, há alterações nos testes laboratoriais hepáticos, principalmente a gama glutamil transferase (GGT). O exame ecográfico do abdome pode medir com precisão as dimensões do órgão e, eventualmente, indicar um padrão lipoatrófico, sugerindo fibrose ou cirrose. Gonçalves et al. (1980), quando biopsiaram o fígado de cem alcoolistas com hepatomegalia assintomática e/ou com fígado de tamanho normal, encontraram, surpreendentemente, mais doença que imaginavam (Tabela 6.5).

 





N. CASOS

%

ESTEATOSE

45

45

HEPATITE ALCOÓLICA*

7

7

CIRROSE*

9

9

OUTRAS ALTERAÇÕES

41

41

* Dois pacientes tinham hepatite alcoólica e cirrose associadas, sendo computados isoladamente (Gonçalves, 1980)

 

Tabela 6.5. Lesões hepáticas em cem alcoolistas sem sinais de hepatopatia avançada.

A esteatose é a lesão hepática mais comum entre as induzidas pelo álcool. Aparentemente não progride para estágios mais severos, ao contrário do que comumente se observa com hepatite alcoólica. O quadro da hepatite alcoólica é clínico e histologicamente mais severo, podendo progredir a cirrose. Hoje em dia, tem sido valorizada em biápsias de pacientes alcoolistas, aparentemente 80 com esteatose, a presença de discreta fibrose em tomo da veia central do lóbulo hepático. Esta fibrose perivenular tem sido apontada como lesão precursora da cirrose hepática (Gráfico 6.4).





Gráfico 6.4. Fibrose perivenular como precursora de fibrose alcoólica. Vinte alcoolistas se hepatite alcoólica à biópsia hepática inicial foram rebiopsiados após 1-2 anos. Os indivíduos com fibrose perivenular que continuaram evoluíram para fibrose difusa ou cirrose hepática (Nakano, 1982).

Esses achados sugerem que podemos detectar precocemente os alcoolistas com maior risco de evolução para cirrose hepática, tomando possível uma abordagem clínica mais firme e potencialmente preventiva.

Alterações nos testes bioquímicas hepáticos não representam necessariamente hepatite alcoólica. A presença das hepatites virais crônicas, principalmente a "C", no alcoolista tem sido cada vez mais reconhecida (Schiff, 1992; Mendenhall, 1991). O consumo do álcool, mesmo em quantidades moderadas, parece favorecer a replicação viral, e a pesquisa desse vírus através do anti-HCV (Elisa II) deve ser realizada precocemente, quando houver elevação nas aminotransferases, mesmo em leve grau, num indivíduo alcoolista (Oshita, 1994). O vírus "C", além de freqüente em alcoolista, correlaciona-se com a gravidade das lesões, isto é, quanto mais acentuada a disfunção hepática maior a probabilidade de o encontrarmos. Pode estar presente em até 20% das hepatites alcoólicas e 40% das cirroses (Pares, 1990).

2.2. Sistema Cardiovascular

O excessivo consumo de álcool pode estar associado com insuficiência cardíaca, hipertensão, arritmias e morte súbita. E a maior causa de miocardiopatia dilatada não-isquêmica, no mundo ocidental (Walsh, 1986).



2.2.1. Miocardiopatia Alcoólica

O consumo de álcool pode resultar em dano miocárdio por três mecanismos básicos: efeito tóxico direto do álcool ou de seus metabólitos; efeitos nutricionais, mais comumente em associação com deficiência de tiamina, a qual pode levar à beribéri cardíaco; mais raramente lesão miocárdica devido a certas substâncias que são adicionadas às bebidas alcoólicas, como o cobalto (McCall, 1987).

A ingestão de álcool pode resultarem depressão miocárdica aguda, bem como depressão crônica da contratibilidade miocárdica, podendo também produzir disfunção cardíaca mesmo em indivíduos normais bebedores sociais (Lang, 1985).

O tratamento da miocardiopatia alcoólica está baseado na imediata e total abstinência, o mais precoce possível. A abstinência total nos estágios iniciais da doença pode levar à resolução das manifestações de insuficiência cardíaca e retornar o tamanho do coração ao normal (Pavan, 1987). O consumo continuado de álcool leva a progressivo dano do miocárdio, com desenvolvimento de insuficiência cardíaca refratária.



2.2.2. Arritmias

É comum a presença de palpitações relacionadas com intoxicação alcoólica aguda em indivíduos alcoolistas ou não-alcoolistas, sem história prévia de cardiopatia.

Em uma série de quarenta pacientes atendidos em serviço de emergência, com palpitações e fibrilação atrial, a intoxicação alcoólica foi apontada como responsável única ou coadjuvante em 63% dos casos na faixa etária inferior a 65 anos. Esses episódios têm evolução benigna, revertendo, em 90% dos casos, ao ritmo sinusal após um período de 24 horas (Lowenstein, 1983).

Em 1978, foi descrito por Ettinger alterações do ritmo cardíaco relacionadas ao consumo de álcool, principalmente arritmias cardíacas atriais e outras anormalidades cardíacas associadas a estados alcoólicos, o que ele chamou de Holiday heart syndrome (Ettinger, 1978).



2.2.3. Elevação da Pressão Arterial

A ingestão de álcool, mesmo em pequenas quantidades, pode aumentar a pressão arterial. Quando ingerido em grandes quantidades, o álcool pode ser responsável por um significante número de casos de hipertensão arterial. A maioria dos estudos realizados sobre esse problema tem mostrado que a relação entre álcool e hipertensão independe de outras variáveis conhecidas (Kaplan, 1992).

Na grande maioria dos pacientes, a suspensão do uso de álcool é seguida, após alguns dias, do retorno aos níveis tensionais normais, tornando desnecessário o uso de medicações anti-hipertensivas que freqüentemente e de forma inadequa-da são utilizadas nesses pacientes.

2.3. Sistema Hematopoiético

O uso crônico de álcool com freqüência está associado à anemia, podendo ser secundária a deficiências nutricionais, sangramento gastrintestinal crônico, disfunção hepática, ou efeitos tóxicos diretos do álcool na eritropoiese (Oski, 1995).

Uma alteração laboratorial que nos leva a suspeitar de alcoolismo, mesmo antes que surjam sinais físicos de dano orgânico atribuível à ingestão exagerada de bebida alcoólica, é a macrocitose. Essa alteração é predominante no sangue periférico, freqüentemente única, independente da presença ou não de anemia concomitante (Chanarin, 1982).

Bebedores crônicos de álcool também podem apresentar uma produção diminuída de todas as células da série branca do sangue. Ocorre diminuição da aderência e mobilidade dos granulócitos, o que altera a função dos macrófagos e facilita a disseminação das infecções.

A trombocitopenia no paciente alcoolista é usualmente resultado da cirrose hepática, esplenomegalia congestiva ou deficiência de ácido fólico. Em alguns pacientes, a trombocitopenia pode ocorrer como resultado da ação tóxica do etanol na medula óssea. A diminuição no número de plaquetas pode ser observada após o décimo dia de ingestão de álcool. Por outro lado, após a retirada do álcool, entre 5 a 21 dias a contagem de plaquetas retorna ao normal, podendo ocorrer uma transitória trombocitose (Lindenbaum, 1982; Lowestein, 1983), salientando-se que os pacientes portadores de esplenomegalia associada à doença hepática tendem a permanecer trombocitopênicos (Lindenbaum, 1968; Poost, 1968).

2.4. Sistema Muscular

A ingestão abusiva de etanol tem um efeito dose relacionado sobre a muscu-latura estriada do esqueleto, independente da presença de desnutrição e/ou de carências vitamínicas, e pode apresentar-se como fraqueza.

A atrofia muscular pode ser generalizada ou concentrar-se em grupos de músculos em particular, freqüentemente no quadríceps.

A miopatia e miocardiopatia em alcoolistas crônicos são doenças clínicas e histologicamente relacionadas. A presença de fraqueza muscular em alcoolistas freqüentemente poderá estar acompanhada de anormalidade do músculo cardíaco (Urbano Marquez, 1994).

Por último, vale assinalar que grande ingestão de álcool pode causar rabdomiólise severa o suficiente para produzir insuficiência renal aguda.

2.5. Sistema Imunológico

É difícil estabelecer o efeito primário do álcool sobre o sistema imunológico em face da ocorrência simultânea de desnutrição, hepatopatia, infecções ou outras doenças que podem, de forma independente, também afetar esse sistema.

Muitos estudos têm demonstrado um aumento da suscetibilidade à infecção em indivíduos dependentes do álcool (Adams e Jordan, 1984).

O consumo crônico de álcool deprime a produção de leucócitos polimorfonucleares (PMN) na medula óssea. Deficiências de mobilização e agregação desses leucócitos tem sido descritas em indivíduos portadores de hepatopatia alcoólica, sendo, possivelmente, a causa do aumento de suscetibilidade às infecções bacterianas (Rajkovic, 1984).

Granulocitopenia (redução do número de granulócitos) foi observado em 8% dos indivíduos hospitalizados por alcoolismo, especialmente naqueles com infecção (Liu, 1973). O número de granulócitos retorna ao normal com abstinência.

A diminuição da proliferação linfocitária é possível de ser observada em alcoolistas sem hepatopatia (Mutchnick e Lee, 1988).

A alta prevalência de tuberculose entre alcoolistas é citada como exemplo da inibição do sistema imunitário pelo álcool (Smith e Palmer, 1976). Não há evidências, até o momento, que assinalem uma associação direta entre ouso de álcool e o desenvolvimento de SIDA (síndrome da imunodeficiência adquirida). Entretanto, em função de alterações comportamentais induzidas pelo álcool, pode ocorrer um aumento do risco de infecção (por exemplo. compartilhar seringas entre usuários de drogas injetáveis).

E controvertida a idéia de que o consumo de álcool por indivíduos já contaminados pelo HIV (vírus da imunodeficiência humana) tenha a transformação da fase assintomática para infecção favorecida pela depressão do sistema imunitário que estava contendo o HIV Trabalho publicado por MacGregor (1987) assinala nesse sentido, enquanto recente estudo epidemiológico (Kaslow et al., 1989) não revela associação entre álcool e aceleração de doença relacionada com HIV.



2.6. Sistema Endócrino

Alcoolistas e bebedores severos episódicos, dependendo do nível e duração da ingestão, podem apresentar anormalidades hormonais múltiplas e sintomas e sinais relacionados a essas anormalidades.

São bem conhecidas as alterações do sistema reprodutor: diminuição de testosterona, aumento de estrógeno (em pacientes com hepatopatia) e aumento da prolactina que podem levar à diminuição da libido, feminização e ginecomastia em homens alcoólicos (Lewis, 1992).

Apesar d0 número pequeno, estudos tendo como foco mulheres alcoolistas sugerem que estas apresentam uma maior prevalência de amenorréja, anovulação, disfunção na fase pós-ovulatória do ciclo, modificações patológicas do ovário (Hugues, 1980; Moskovic, 1975; Valimaki, 1984) e talvez tenham também o iní-cio da menopausa antecipado (Gavaler, 1985), quando comparadas com mulheres não-alcoolistas.

Elevado nível plasmático de cortisol tem sido encontrado em indivíduos alcoolistas, e alguns têm apresentado pseudo-síndrome de Cushing - em que corticoesteróides estão elevados enquanto o nível do hormônio corticotrópico está normal - sugerindo um possível distúrbio adrenocortical ( Ylikahri, 1978; Rees, 1977) Essa anormalidade desaparece após duas ou três semanas de abstinência.

Elevação das catecolaminas é um dos fatores que contribuem para hiperten-são arterial que freqüentemente é observada em alcoolistas. Outros efeitos endócrinos observados incluem alterações nos hormônios da tireóide, no hormônio do crescimento e vasopressina (Hegedus, 1984).



3. Álcool e Medicamentos

A interação do álcool com medicamentos tem dois aspectos distintos que, necessariamente, devem ser observados:

a) administração aguda de álcool em conjunto com medicação;

b) uso de medicação em alcoolista crônico.

Essa diferenciação é significativa porque o consumo crônico de álcool induz a um aumento de atividade do "sistema microssomal de oxidação do etanol (MEOS)" localizado no fígado que pode aumentar o catabolismo da medicação. Tomemos como exemplo o warfarin (anticoagulante), que tem o metabolismo reduzido e a potência anticoagulante aumentada com a ingestão aguda de álcool. Por outro lado, em alcoolistas crônicos, o metabolismo está acelerado, reduzindo o efeito anticoagulante do warfarin e tornando o controle da anticoagulação difícil. Apresentam comportamento semelhante os anti-histamínicos, barbitúricos, benzodiazepínicos e analgésicos opiáceos. A interação do álcool com tricíclicos pode apresentar variabilidade no grau de sedação, convulsões e arritmias.

As fenotiazinas interagem aditivamente com álcool, podendo produzir uma reação potencialmente fatal à depressão respiratória e ao colapso vascular Com determinados anti-hipertensivos, o álcool tem efeito aditivo, ampliando o efeito hipotensor (por exemplo, metildopa, hidralazina). O uso de álcool com vasodilatadores periféricos e nitroglicerina pode levar à hipotensão.

O álcool potencializa o efeito dos hipoglicemiantes orais e da insulina. Por outro lado, o alcoolismo crônico acelera o metabolismo dessas drogas, resultando em controle menos efetivo da hiperglicemia. Reação aldeídica leve pode ser observada com a utilização de álcool e clorpropamida (diabinese) metronidazol (flagy) isoniazida e algumas cefalosporinas.

Os salicilatos em combinação com álcool podem induzir a sangramento do trato digestivo.

Citamos os exemplos mais freqüentes, mas ressaltamos que a modificação no metabolismo de outras medicações pode também ocorrer. Sendo prática recomendada estar atento para essa possibilidade ao prescrever para alcoolistas crônicos e para indivíduos que têm hábito de consumir álcool com freqüência.

4. Efeito Benéfico do Álcool

Nem todos os efeitos do álcool são nocivos. Evidências recentes sugerem que há alguns benefícios à saúde resultantes do consumo do álcool (não mais que duas doses ao dia).

Em comparação com abstinentes, o risco de doença coronária parece ser menor nos indivíduos que usam bebidas alcoólicas moderadamente e regularmente. Possivelmente devido:

a) à elevação da concentração plasmática da lipoproteína de alta densidade (HDL);

b) à diminuição da agregação plaquetária;

c) a efeito ansiolítico.

O álcool é metabolizado sem necessitar insulina, portanto algum tipo de bebida alcoólica pode ser utilizada como fonte de energia para diabéticos. E importante que o consumo de álcool seja limitado.

O benefício, em potencial, para a saúde do consumo moderado de álcool não se aplica para:

a) alcoolista em abstinência;

b) indivíduo com história familiar de alcoolismo;

c) mulheres grávidas.

5. Síndrome Fetal pelo Álcool

Se a mulher consome bebidas alcoólicas quando está grávida, corre o risco de que seu filho possa nascer com síndrome alcoólica fetal (SAF). Pensa-se que SAF ocorre em 1 a 3/1.000 nascimentos ocorridos no mundo e que seja responsá-vel por aproximadamente 5% de todas anomalias congênitas (Sokol,1986).

A síndrome é caracterizada por:

a) retardo no crescimento (que inicia antes e persiste após o nascimento);

b) anormalidades faciais: fissura palpebral pequena, nariz curto, filtro labial longo e hipoplástico, lábio superior fino, face plana, prega epicântica (epicanthal folds);

c) alteração no sistema nervoso central: microcefalia, retardo mental, anor-malidades motoras, tremores, hiperatividade.

Podem ocorrer também malformações cardíacas, anomalias ortopédicas ou malformações da genitália externa.

Nem todas as crianças expostas a uma alta concentração de álcool in utero desenvolvem o SAF. A síndrome completa ocorre em um terço das crian-ças nascidas de mãe com alcoolismo crônico (uso maior que 150 gr etanol/dia) (West, 1984). As demais crianças podem situar-se em amplo aspecto, desde normalidade à severa "incapacidade", sugerindo, portanto, que outros fatores, além da ingestão do álcool, podem estar envolvidos no desenvolvimento do SAF.

Os fatores que podem contribuir para o desenvolvimento do SAF são:



a) fatores genéricos que podem influenciar o metabolismo do álcool;

b) saúde materna;

c) nutrição materna;

d) padrão de consumo de álcool;

e) momento de exposição do feto ao álcool, durante a gestação;

f) uso ou abuso concomitante de outras substâncias (nicotina, cafeína, THC, cocaína e narcóticos (Schenker, 1990).

O feto é mais suscetível aos efeitos teratogênicos do álcool no início da gestação. Entretanto, a eliminação do consumo do álcool, durante o terceiro trimestre da gestação, resulta numa diminuição da possibilidade de ocorrer fetos com circunferência cerebral pequena. baixo peso e pequena estatura ao nascer. A aparente suscetibilidade à exposição ao álcool, durante o terceiro trimestre de gestação, é sugerido pelo fato de que, nesse período, o cérebro do feto apresenta rápido crescimento e organização (Rosset, 1990).

A suscetibilidade é individual, uma vez que gêmeos idênticos apresentam-se igualmente afetados pelo consumo materno do álcool, enquanto gêmeos fraternos podem ser afetados diferentemente.

Um estudo de seguimento acompanhou 51 adolescentes com SAF e observou que, em virtude do comprometimento comportamental, social e cognitivo ao longo da vida, nenhum era independente em termos sociais e econômicos (Stréissguth, 1991).

Como não é possível estabelecer um nível de consumo de etanol seguro durante a gravidez, é desaconselhado à mulher consumir qualquer quantidade de álcool durante a gravidez.

A SAF é prevenível através da informação dos efeitos nocivos que o consumo do álcool pode ter sobre o feto em desenvolvimento durante a gravidez.



6. Conclusões

É importante que os profissionais da saúde e, em particular, os médicos, reconheçam que problemas de saúde comuns estão associados ao uso excessivo do álcool (Tabela 6.8).

Em face desses problemas, devemos questionar se há ou não consumo excessivo de álcool. Quando confirmado, é fundamental tratarmos não só dos problemas clínicos que trouxeram o paciente ao consultório ou ao hospital, mas também do problema de ingestão excessiva de álcool. Quando falharmos nessa abordagem, estaremos frente a sucessivos fracassos terapêuticos, pois não estaremos enfrentando a origem dos problemas diagnosticados. A abordagem dos problemas associados ao álcool, na maioria das vezes, necessita de um trabalho conjunto entre o médico e outros profissionais experientes na área do alcoolismo.

Tabela 6.8. Problemas clínicos associados ao uso excessivo do etanol:

A - GASTRINTESTINAIS E HEPÁTICOS

1. Hepáticos (esteatose, hepatite alcoólica, cirrose)

2. Pancreatite crônica calcificada

3. Gastrite aguda

4. Diarréias

5. Carcinoma (orofaringe, esôfago, fígado)


B - NEUROLÓGICOS E MUSCULARES

1. Neuropatia periférica

2. Síndromes cerebrais orgânicas

3. Encefalopatia de Wernicke

4. Psicose de Korsakoff

5. Ataxia cerebelar

6. Síndrome de privação (menor e/ou convulsões, delirium tremens)

7. Intoxicação (dificuldade na coordenação psicomotora. raciocínio e reflexo)


C - HEMATOLÓGICOS

1. Anemia por deficiência de foi ato

2. Anemia ferropriva

3. Leucopenia, função de granulócito prejudicada

4. Trombocitopenia

5. Deficiência dos fatores de coagulação em hepatopatia


D - ENDOCRINOLÓGICOS/METAEÓLICOS

1. Hipoglicemia

2. Hipertrigliceridemia

3. Hiperlactacidemia e hiperuricemia

4. Cetoacidose

5. Hipomagneserma

6. Hipofosfatemia

7. Hipoalbuminemia


E - PULMONARES

1. Pneumonia por aspiração

2. Tuberculose e pneumonia bacteriana

Carcinoma da laringe



F - DERMATOLÓGICOS

1. Pelagra

2. Infestações cutâneas

3. Úlcera cutânea

Rinofinoma rosáceo



G - AÇÕES FARMACOLÓGICAS

Interações droga-álcool



H- TRAUMÁTICOS

1. Fraturas

2. Politraumatismo (acidente de trânsito)
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