A Visão Mecanicista Das Organizações
por
António Pedro Brites de Andrade de Melo Alvim
Aluno do Departamento de Engenharia Informática
Universidade de Coimbra
3030 Coimbra, Portugal
alvim@student.dei.uc.pt
Resumo – Apresenta-se uma síntese do segundo capítulo do livro de Gareth Morgan, “Images of Organization”, no qual o funcionamento da Gestão é comparado com o funcionamento de uma máquina. Os assuntos são abordados pela mesma ordem e estrutura apresentada na obra original, pelo que primeiramente é feita uma apresentação e uma síntese histórica do tema. São posteriormente apresentados e criticados dois modelos que se enquadram neste assunto – “A Teoria de Gestão Clássica” e a “Gestão Científica”. Conclui-se com uma pequena avaliação sobre esta maneira de gerir, sendo enumeradas algumas das vantagens e desvantagens que lhe estão subjacentes.
Palavras chave – Gestão, Gestão Científica, Teoria da Gestão Clássica. Frederick Taylor, Princípios de Gestão, Vantagens e Desvantagens do Modelo, Modelo Mecanicista, Max Weber, Máquina
1. Introdução
Mecanicismo – doutrina segundo a qual os factos se explicam completamente pela acção de factores determinantes de natureza mecânica.
A influência que a Máquina teve no desenvolvimento da espécie humana é inegável. A nossa evolução sempre foi (e será) condicionada pelo aparecimento de máquinas que nos permitem realizar tarefas que sempre pareceram morosas ou impossíveis de concretizar apenas pelas nossas mãos.
Aplicando o modelo de funcionamento geral de uma máquina, filósofos desenvolveram teorias mecanicistas do mundo humano, linearizando maneiras de pensar e agir e cientistas produziram interpretações mecanicistas do mundo natural (através de diagramas de blocos, por exemplo). Assim, aprendemos a utilizar a “Máquina” como uma metáfora para nós mesmos e para a nossa sociedade e moldámos o mundo de acordo com esses princípios mecanicistas.
Esta teoria é muito visível no mundo da gestão e das organizações, devido à dificuldade que temos em separar o conceito “Máquina” do conceito “Organização”. A maneira mais intuitiva de planear uma organização é especificando determinados tipos de relações ordenadas entre os diferentes componentes que a integram, para depois obtermos resultados de uma maneira previsível e eficiente. Assim, para além de concebermos uma organização como uma Máquina, também queremos que ela se comporte como tal.
Basta confirmar a precisão com que diversas instituições produzem o seu trabalho e os horários rígidos e inflexíveis que empresas impõem aos seus empregados para a realização de tarefas repetitivas, lineares e monótonas: O empregado deve chegar a uma determinada hora ao emprego, realizar uma série de tarefas predeterminadas dentro de um horário preciso, descansar em intervalos pré-estabelecidos e depois continuar o trabalho até as suas tarefas estarem concluídas. Em alguns casos, chegamos ao extremo em que um trabalhador substitui um colega depois deste terminar o seu horário de trabalho, de forma a se conseguir criar turnos de trabalho ininterrupto 24 horas por dia, durante todos os dias do ano.
Esta situação verifica-se nas grandes empresas de produção em massa e nos grandes escritórios que processam enormes quantidades de formulários, como contratos de seguros, cheques bancários ou declarações de impostos, pois estas organizações foram planeadas à semelhança de linhas de montagem de fábricas. Neste cenário, o empregado deve comportar-se como se fizesse parte de uma “grande máquina”.
Qualquer empresa de fast-food ou empresa que fornece serviços, funciona de maneira semelhante, onde todas as acções são planeadas previamente e as interacções com os clientes são tudo menos espontâneas: há um guia detalhado de instruções que deve ser seguido, e os empregados são frequentemente treinados para produzir os “melhores resultados” no trabalho. Na McDonald’s, por exemplo, há uma ficha de avaliação dos empregados, na qual a simples tarefa de um pedido é avaliada em 31 pontos distintos.
Isto não quer dizer que este modelo seja necessariamente mau, pelo contrário. Em determinadas circunstâncias fornece uma base de operações bastante eficiente, no entanto, noutras, pode levar ao resultado oposto. Por isso, é necessário dar a conhecer esta teoria para, nos dias de hoje, se conseguir evitar os pontos negativos que lhe estão subjacentes e explorar as forças que estão no seu interior.
2. As Origens das Organizações Mecanicistas
Para se compreenderem melhor as escolhas que a teoria mecanicista impõe, convém analisar as suas origens. Morgan afirma que um dos primeiros protótipos deste tipo de organizações surgiu no século XVIII, com o General Frederico Guilherme II da Prússia, o Grande (1712 - 1786).
Frederico herdou um grande exército difícil de controlar, composto essencialmente por criminosos, mercenários estrangeiros, pobres e recrutas contrariados. Inspirado pela severidade das Legiões Romanas e pelas invenções da sua altura (pequenos brinquedos, como homens mecânicos) decidiu aplicar uma série de reformas que iriam transformar os seus homens em autómatos facilmente controláveis:
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Instituiu o uso de um uniforme;
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Criou uma hierarquia militar rígida;
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Proclamou uma extensão e especialização de tarefas;
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Obrigou o uso de uma linguagem própria, bem como uma linguagem de comando;
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Criou exercícios militares, como forma de treino sistemático;
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Deixou para a responsabilidade dos Conselheiros Militares a elaboração de planos de combate.
Frederico conseguiu impor estes seus objectivos através do medo – os seus soldados temiam mais os seus oficiais do que o inimigo. Com o passar do tempo aumentou a eficácia do seu exército, ao descentralizar o controle, o que criou uma maior autonomia em situações de combate diferentes.
Muitos dos princípios subjacentes a estas ideias foram utilizados na Revolução Industrial do século XIX, para resolver os diversos problemas que surgiram quando máquinas começaram a realizar os trabalhos do Homem. Durante este século diversos estudiosos, como Adam Smith (1723 – 1790) e cientistas como Eli Whiney(1765 – 1825), publicaram trabalhos nos quais se defendia que a divisão e especialização das mais diversas tarefas, iria aumentar a eficiência, produtividade e geração de lucros das empresas. Assim, novos procedimentos e técnicas foram introduzidos para disciplinar os trabalhadores a aceitar estas novas rigorosas rotinas de produção nas fábricas.
O uso de novas tecnologias era acompanhado e reforçado pelo processo da mecanização do pensar e agir humano: as organizações que usavam máquinas tornavam-se elas próprias máquinas. Assim, a visão do exército mecanizado de Frederico da Prússia, tornou-se uma realidade nos cenários fabris e organizacionais de 1900.
Um outro grande contribuidor desta teoria foi Max Weber (1864 – 1920), que estudou o desenvolvimento e proliferação das “Burocracias”, nome que atribuiu às organizações cujo princípio de funcionamento é semelhante ao que é encontrado numa máquina.
Encontramos nos seus estudos uma definição mais formal de burocracia, que identifica este tipo de organização como uma entidade que dá ênfase à precisão, velocidade, clareza, regularidade, segurança e eficiência, através de uma divisão fixa de tarefas, supervisionadas hierarquicamente através de regras e regulamentos detalhados. Assim, a burocracia cria rotinas para a administração tal como a mecanização cria rotinas para a produção.
No entanto, Weber, como sociólogo, analisou a componente humana da questão e reconheceu que a determinação em mecanizar todo e qualquer aspecto da vida humana iria limitar o espírito espontâneo e inovador do ser humano, bem como teria graves consequências políticas ao minar a criação de organizações que funcionassem de uma forma democrática.
3. A Teoria Clássica da Gestão
A contrastar com Weber, um grupo de gestores e teóricos clássicos, de entre os quais Henry Fayol (1841 – 1925) e Lyndall Urwick (1891-1983), interessados nas temáticas da “gestão aplicada à prática”, aplicaram os seus próprios conhecimentos e experiência na elaboração de documentos que posteriormente forneceram a base para muitas técnicas de gestão modernas, a Teoria da Gestão Clássica. No entanto, ao analisar os princípios que constituem este modelo, verifica-se que estes teóricos planeavam uma Organização como se de uma máquina se tratasse. Tal como se pode ver uma máquina como um conjunto de partes independentes, ordenadas por uma determinada sequência e agrupadas em pontos de resistência, esta teoria defende que uma organização poderá também ser vista de um modo semelhante.
Uma organização possui uma série de departamentos distintos, cada um com a sua função específica (como finanças, marketing ou planeamento), nos quais cada emprego complementa o próximo da melhor maneira possível e as ligações são efectuadas através de um esquema de controlo, no qual o “chefe” representa o ponto de resistência, coordenando as actividades e restringindo as direcções que se devem tomar enquanto encorajam essa visão aos outros.
A esta visão, aplicam-se os seguintes princípios:
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Unidade de Comando – cada empregado deve receber ordens de apenas um superior;
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Alcance do controlo – o grupo de pessoas que responde a um superior deverá ter um tamanho adequado para não causar problemas de coordenação e comunicação;
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Disciplina – a obediência, a aplicação, a energia, o comportamento e a aparência exterior devem respeitar os regulamentos e costumes aprovados;
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Centralização (da autoridade) – tem de estar sempre presente, mas de uma maneira flexível para optimizar o uso das habilidades dos trabalhadores;
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Divisão de Trabalho – cabe à gestão encontrar um grau de especialização próprio para ir ao encontro dos objectivos de uma forma eficiente;
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Organigrama de Controlo – Onde é definida a comunicação entre subordinado e superior, desde a base até ao topo da organização. Juntamente com o princípio da Unidade de Comando pode ser usado como canal de comunicação e de tomadas de decisão.
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Subordinação do interesse individual ao o interesse geral – através de firmeza, exemplo e constante supervisão;
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Equidade – baseada num princípio de justiça, para encorajar o trabalhador a realizar os seus deveres e atribuir uma remuneração justa.
A força deste modelo advém do ideal de que as organizações devem ser sistemas racionais que operam sempre da maneira mais eficiente. No entanto, a pouca atenção que é dada à componente humana será sempre uma falha significativa da teoria clássica: enquanto os estudiosos reconheceram que era importante alcançar um equilíbrio harmonioso entre os aspectos humanos e técnicos da organização, o seu objectivo era enquadrar o ser humano nas necessidades da organização e não o contrário.
4. A Gestão Científica de Taylor
Um dos mais influentes pioneiros das teorias das Organizações, foi o Engenheiro Frederick Taylor (1865-1915), o criador do que hoje se denomina por Gestão Científica. Embora tenha sido visto como um inimigo da classe operária, muitas das suas ideias serviram de base ao funcionamento de diversas empresas na primeira metade do século XX, sendo, em alguns casos, ainda hoje mantidas em prática.
Taylor defendia que toda e qualquer rotina de trabalho deveria ser analisada detalhadamente, até ser encontrada a situação em que a performance com que esta fosse realizada, fosse a ideal. Para conseguir tal optimização, fazia uso de 5 simples regras, conhecidas como Princípios de Taylor:
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Transferir toda a responsabilidade da organização do trabalho do trabalhador para o gestor, ou seja, o gestor era responsável pelo planeamento de todos os aspectos do trabalho, enquanto que a única preocupação do trabalhador seria implementá-los;
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Usar métodos científicos para determinar a maneira mais eficiente de realizar uma tarefa, especificando precisamente os passos a tomar na realização desta;
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Escolher a melhor pessoa para realizar o trabalho;
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Treinar essa mesma pessoa para trabalhar eficientemente;
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Controlar a performance do trabalhador, verificando se os procedimentos são seguidos e se o resultado é o esperado.
O efeito causado pela aplicação destes princípios foi enorme, tendo por consequência um grande aumento da produtividade de diversas empresas. Por outro lado, o custo humano não foi menor, tendo-se reduzido muitos trabalhadores a meros autómatos, tal como Frederick, o Grande havia conseguido há 150 anos atrás nos seus exércitos.
Taylor conseguiu separar com sucesso o “cérebro” das “mãos”, criando um grande fosso entre o gestor que controlava e o operário que realizava o trabalho. Simplificou o processo de tal forma, que seria muito fácil e pouco dispendioso substituir um trabalhador por um novo, concebendo assim, não só uma maneira de aumentar a produtividade, mas também um poderoso mecanismo de controlo que poderia exercer-se no meio de trabalho. É um mecanismo tão poderoso que ultrapassa barreiras ideológicas, tendo sido aplicado tanto em países capitalistas como na antiga URSS.
Como o resultado final de racionalizar as mais diversas operações é conseguido, estes princípios são postos em prática por muitas multinacionais (de fast-food, por exemplo), hospitais, fábricas, escolas e universidades.
Actualmente, nos cenários fabris computorizados, utiliza-se uma aproximação semelhante a estes princípios, mas neste caso, são aplicados à própria tecnologia, libertando os trabalhadores para papéis de ajudante, sendo as máquinas as verdadeiras responsáveis pelo controlo da organização e o ritmo do trabalho. Conclui-se que os princípios de Taylor têm completo sentido quando robots são a grande força produtiva, podendo a História afirmar que Taylor apareceu antes do seu tempo.
5. Conclusão: As vantagens e desvantagens do modelo mecanicista…
A Teoria da Gestão Clássica e a Gestão Cientifica foram as pioneiras neste campo. Na altura em que apareceram eram consideradas como as melhores soluções e supunha-se que todos os problemas que aparecessem no futuro seriam mais ou menos resolvidos, utilizando estes métodos.
Infelizmente, olhando para o aspecto empresarial actual, verifica-se que estas técnicas estão na base de alguns problemas recentes. Ao utilizar-se esta metáfora para compreender o papel/objectivo de uma organização, facilmente se coloca em segundo plano a componente humana de todo o processo. Surgem daí uma nova série de dificuldades: um ser humano é bastante mais complexo que uma máquina.
Não obstante, esta teoria teve (e ainda tem) muito sucesso, funcionando muito bem quando:
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Há uma tarefa simples e directa para realizar;
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Quando o ambiente que rodeia a organização é estável e suficiente;
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Quando se deseja produzir repetidamente o mesmo resultado;
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Quando a precisão é fulcral;
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Quando a componente humana da “máquina” é obediente e age como esperado.
Em muitos casos, todos estes requisitos são cumpridos e uma empresa que adopte esta estratégia pode obter um sucesso extremo – basta verificar o exemplo da McDonald’s, onde uma grande parte destes conceitos é aplicada. É uma empresa em que não são exigidos grandes conhecimentos teóricos em relação à grande força trabalhadora e em que esta se adapta sem problemas aos “requisitos” da multinacional. Como toda a parte criativa e inovadora é delegada nos quadros superiores, temos pequenas unidades operacionais, que realizam repetidamente a mesma tarefa, sendo todo o processo controlado por uma hierarquia rígida, desde a base de operações até às pequenas sucursais que existem pelo mundo.
Muitas outras firmas tais como aeroportos, hospitais, escolas e escritórios aplicam eficazmente algumas destas regras em alguns aspectos das suas operações. No entanto, apesar destes casos de sucesso, esta aproximação apresenta sérias limitações, particularmente porque:
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Podem criar organizações pouco permeáveis à mudança, pois estas são preparadas para produzir um resultado fixo e não são desenhadas para a inovação;
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Podem resultar numa burocracia desnecessária e inquestionável, pois os procedimentos padrão e os canais de comunicação têm dificuldade em lidar com novas situações, sendo necessário a realização de um grande número de reuniões para “enquadrar” as alterações no funcionamento da “máquina”. Este processo peca também por ser moroso, devido ao grau de especialização que o modelo exige à organização.
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Resulta em consequências imprevisíveis e, por vezes, indesejáveis quando surgem novos interesses que passam para primeiro plano, ofuscando os objectivos da organização. Assim, surge no seu interior uma política de competição em vez de cooperação entre os diversos componentes que a constituem.
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Pode levar à “mecanização” dos empregados, nomeadamente os que se encontram nos quadros mais baixos da empresa, devido às limitações que são impostas pelos moldes de funcionamento deste modelo. Corre-se, assim, o risco, de perder funcionários com valor, que estão limitados a tarefas às quais não se dá importância.
O modelo mecanicista tornou-se muito popular devido à promessa de eficiência que lhe está subjacente, bem como pelo controle rígido que pode ser exercido tanto nas pessoas, como nas actividades realizadas pela organização. No entanto, no mundo empresarial do século XXI, que a cada dia que passa, se torna mais instável, novas maneiras de gerir são procuradas e os novos princípios organizacionais ganham cada vez importância neste meio.
Bibliografia
1. Morgan, Gareth, Images of Organization, London: Sage Publications, 1997
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