Quarenta Anos de Etanol em Larga Escala no Brasil: desafios, crises e perspectivas
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mais adequada de lidar com combustíveis de uso geral”, o que depende, segundo
o autor, da superação do “comportamento tradicional” e de “velhos preconceitos”
no contexto de uma ação coordenada que faça “parte
da agenda do setor privado
e dos gestores públicos da nossa política energética” (Bressan Filho, 2010, p. 4).
De fato, de acordo com o conjunto de observações tecidas ao longo deste texto, isto
é necessário, principalmente, se se quer tal consolidação sem recorrer a subsídios
e sem impactos inflacionários.
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4 OBSERVAÇÕES FINAIS
A
longa história da utilização do álcool como fonte de energia auxiliar para a mo-
vimentação de pessoas e cargas no Brasil, que começou em 1931 e foi significati-
vamente ampliada depois de 1975, deixa uma lição muito clara:
mais importante
do que constituir um mercado é estar atento para suas relações com mercados
correlatos e, principalmente, é necessário investir em sua consolidação. Esta só
pode ser feita com uma incessante melhoria tecnológica, especialmente quando
as relações entre estes mercados envolvem ações, decisões e comportamentos de
agentes econômicos, sociais e políticos (sejam do setor privado sejam público),
que são externos a uma dada economia ou sociedade. Esta interpretação é mais
importante quando se quer evitar a volta de problemas econômicos ou sociais que
demandaram enorme
esforço para serem minorados, quando não vencidos.
O que este texto procurou deixar explicitado é que o problema atual (após
2003) do mercado de etanol hidratado para consumo isolado como combustível,
tal como no passado recente (1975-2002), enfrenta o mesmo obstáculo: o da
competição com um dos dois principais derivados do petróleo usados no Brasil.
A solução deste problema passa pela definição de quem arcará com o custo de sua
viabilização, a qual depende tanto de subsídio (ao produtor ou ao consumidor) como
de nível de preço maior para a gasolina (via aumentos regulares ou recomposição/
ampliação da tributação), o que, por conseguinte, impacta o nível de inflação interna.
Tal situação, como se sabe, impõe parâmetros, restringe as opções, e dificulta a
definição quanto à inserção deste ou daquele bem no contexto da matriz energética
do Brasil, principalmente quando envolve mudanças mais profundas em aspectos
estruturais
da economia, tal como o do sistema de transportes.
A trajetória explicitada do setor mostrou que, no passado, os subsídios con-
cedidos beneficiaram muito mais os produtores e que, não obstante os aspectos
favoráveis de avanços tecnológicos gerados e difundidos, não conseguiram alcan-
çar e garantir a competitividade, o que foi agravado
ora pelo recuo dos preços
44. Posicionando-se contrário à nova ação governamental para ajudar as usinas em dificuldades, o ex-presidente da
Unica, Eduardo Carvalho, em recente entrevista (Ferreira, 2015) afirmou que “não vamos construir um país decente se
a sociedade tiver que tirar recurso para salvar usineiro”.
Trajetória e Situação Atual da Agroindústria Canavieira do Brasil e do Mercado
de Álcool Carburante
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internacionais do petróleo, ora pela intervenção do Estado.
Isto em boa medida
se relacionou com o reforço de estrutura herdada, que até bem recentemente
decorreu de comportamentos e de ações tanto privadas como públicas. A situa-
ção presente tornou-se mais complexa exatamente porque o patamar mais alto
do preço do petróleo nos últimos anos viabilizou a prospecção e a significativa
ampliação de nossas reservas (conhecidas), bem como de nossa produção de
derivados, a qual pode ser ainda mais elevada com base no aproveitamento do
pré-sal e desde que investimentos no refino sejam feitos.
Há um aspecto – que não pôde ser aqui tratado – que é
muito importante
para o futuro próximo do mercado de derivados de petróleo e de álcool: trata-
-se da crescente substituição dos atuais veículos movidos com base neles pelos
denominados
híbridos, que são movidos principalmente pela energia elétrica
obtida nas células de combustível, que usam o hidrogênio.
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Outras tecnologias
envolvendo as etapas agrícola e industrial do etanol também sinalizam, junta-
mente a mudanças e avanços na gestão empresarial, que a dinamização produtiva
em diversas frentes é tanto resposta para a atual crise quanto caminho natural
para o futuro do setor.
REFERÊNCIAS
ANFAVEA – ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE FABRICANTES DE VEÍCULOS
AUTOMOTORES.
Anuário da indústria automobilística brasileira – 2014.
São Paulo: Anfavea, 2014. Disponível em:
html>. Acesso em: 10 dez. 2015.
ALISSON, E. Bioenergia necessita de políticas públicas
para avançar em escala
global.
Agência Fapesp, out. 2014. Disponível em:
. Acesso
em: 21 out. 2014.
BACCARIN, J. G. A constituição da nova regulamentação sucroalcooleira. Ceam,
Brasília, v. 5. n. 22, p. 11-243, 2005.
BARROS, P. S.; SCHUTTE, G. R.; PINTO, L. F. S. Além da autossuficiência:
o Brasil como protagonista no setor energético. Brasília: Ipea, 2012. (Texto para
Discussão, n. 1725).
BELIK, W. A tecnologia em um setor controlado: o caso da agroindústria cana-
vieira em São Paulo. Cadernos de Difusão de Tecnologia, Brasília, v. 2, n. 1,
p. 99-136, jan.-abr. 1985.
45. Ver sobre isso o texto Carro elétrico, a revolução geopolítica e econômica do século XXI e o desenvolvimento do
Brasil (Santos et al., 2009).
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BNDES – BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
E SOCIAL.; CGEE – CENTRO DE GESTÃO E ESTUDOS ESTRATÉGICOS.
(Coords.).
Bioetanol de cana-de-açúcar: energia para o desenvolvimento susten-
tável. Rio de Janeiro: BNDES, 2008.
BORGES, B. Política de energia no Brasil requer ajustes.
Folha de S. Paulo, 24
abr. 2014. Disponível em:
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