Brasil
48,9
38,1
30,9
42,6
44,6
37,5
Fontes: Brasil (2007) e Bressan Filho e Andrade (2010).
Notas:
1
O “nada consta” significa que, na safra, não houve processamento de cana no estado; “0,0” significa que não houve
cana de fornecedor na safra; o “não aparece” significa que o estado não aparece na lista do trabalho da Conab.
2
A apresentação de duas fontes de dados para a safra de 2008/2009 tem por objetivo chamar a atenção para o fato
de que desde a década de 1930 contava-se como cana de fornecedores as quantidades produzidas em suas áreas,
embora fossem obtidas com base em arrendamentos.
12
Isto é o que demarca os percentuais das cinco primeiras colunas.
Na última, as porcentagens foram retiradas de uma publicação da Conab, na qual, diferentemente, não é contada como
de fornecedor a cana proveniente de áreas arrendadas pelos proprietários e gestores das fábricas.
12. Convém lembrar que a ação do IAA procurava dar conta desse problema, mas o fato é que as porcentagens que
divulgava referiam-se às quantidades de cana originárias das terras dos fornecedores, mas que podiam não ser produ-
zidas por eles. Outro aspecto é que tais porcentagens eram afetadas por outros desvios que ocorriam. Ver sobre isto e
sobre a mudança na determinação legal de “fornecedor” em Ramos (1999, p. 139-141).
Quarenta Anos de Etanol em Larga Escala no Brasil: desafios, crises e perspectivas
60
|
O gráfico 2 permite compreender como o padrão de produção, a partir da
cana de fornecedores, difere-se entre os estados do Centro-Sul e do Nordeste, tendo
estes menores áreas em fazendas individualizadas, ao contrário, por exemplo, de
Minas Gerais e Goiás.
GRÁFICO 2
Cana de fornecedores ou adquiridas de terceiros – estados selecionados
(Em %)
Mato Grosso
São Paulo
Mato Grosso do Sul
Paraná
Pernambuco
Minas Gerais
Paraíba
Goiás
Brasil
0
10
20
30
40
50
60
70
80
1976/7
1986/7
1996/7
2006/7
Fontes: Brasil (2007) e Bressan Filho e Andrade (2010).
Portanto, parecia predominar um entendimento de que a viabilidade das
usinas no Brasil dependia de sua capacidade de produzir, em grande medida, sua
própria matéria-prima. No entanto, isto deve ser visto de outra forma, inclusive
para se compreender a diferença, neste aspecto, em relação ao período após o início
do século XXI a montagem de tais fábricas era feita geralmente por proprietários
fundiários, isoladamente ou via constituição de sociedades anônimas de capital
fechado, cujos acionistas principais eram os membros das respectivas famílias
(Ramos, 1999; Ramos e Szmrecsányi, 2002).
13
A tabela 7 associa os dados de duas bases diferentes. A primeira delas é a dos
censos agropecuários do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A primeira constatação relevante é quanto ao crescimento dos rendimentos agrícolas
13. A esse respeito, Lima (2010) constatou que na evolução da agroindústria canavieira em Goiás manifestou-se uma
disjuntiva entre o comportamento dos “grupos tradicionais”, que forçam a ampliação da cana própria e o dos “novos
entrantes” que acabam utilizando mais o fornecimento de cana por terceiros. Postal (2014) sintetizou diferentes “mo-
delos de gestão” quanto ao suprimento de cana. Isto implica a redução da importância da produção de cana própria
ou em área arrendada pelos proprietários das fábricas, o que tem ocorrido principalmente no caso das pertencentes
a capitais estrangeiros. Nos dois trabalhos, é mencionada a influência da elevação do preço da terra nas decisões dos
empresários ou dos gestores. Lima Filho et al. (2014, p. 26) concluíram que “em 2013, o arrendamento para a cana foi
mais rentável que a produção para o fornecimento às usinas sucroalcooleiras”.
Trajetória e Situação Atual da Agroindústria Canavieira do Brasil e do Mercado
de Álcool Carburante
|
61
da lavoura canavieira, que foi marcante no período 1975-1985. Este crescimento,
em grande medida, deveu-se à incorporação de tal lavoura à estrutura de proces-
samento, já que parte da cana colhida antes do programa era mais utilizada para
outros fins (cana forrageira etc.), o que fica evidenciado pela menor quantidade
produzida em relação à moída (Brasil, 2007). Evidentemente, esta não pode
ser maior que aquela, mas isto aconteceu nos dados de 1995/1996 e de 2006.
A busca da devida explicação disto ficou fora dos propósitos deste trabalho. Como
se nota, as maiores taxas de crescimento da produção de álcool foram registradas
durante as duas primeiras fases do Proálcool, o que se deveu ao incremento da
produção de álcool hidratado depois de 1979.
TABELA 7
Evolução da produção da agroindústria canavieira do Brasil após o Proálcool –
indicadores selecionados
Variáveis
1975
1
1980
1
1985
1
1995/1996
1
2006
(safra 2006/2007)
Quantidade
Quantidade
a.a.
(%)
Quantidade
a.a.
(%)
Quantidade
a.a.
(%)
Quantidade
a.a.
(%)
Área colhida
(em ha)
1.860.401
(100)
2.603.292
(140)
6,95
3.798.117
(204)
7,85
4.216.427
(227)
1,05
5.682.297
(305)
2,75
Quantidade
colhida (em mil t)
79.959,02
(100)
139.584,52
(175)
11,79
229.882,04
(288)
10,49
259.806,70
(325)
1,23
407.466,57
(510)
4,18
Rendimento (t/ha)
42,98
53,62
60,53
61,62
71,71
Cana moída
(em mil t)
78.074,64
(100)
118.163,01
(151)
8,64
225.541,06
(289)
13,80
269.698,55
(345)
1,80
428.816,92
(549)
4,31
Produção de
açúcar (em mil t)
6.548,17
7.373,25
(113)
2,40
7.988,23
(122)
1,62
13.141,49
(201)
5,10
30.629,83
(468)
8,00
Produção de
álcool total
(em m
3
)
609,97
(100)
3.551,41
(582)
42,24
11.219,16
(1.839)
25,87
13.573,60
(2.225)
1,92
17.909,82
(2.936)
2,55
Cana própria
52,79%
52,75%
62,32%
63,52%
60,79%
Fonte: Dados de áreas e quantidades colhidas (IBGE, [s.d.]) e Brasil (2007).
Nota:
1
Médias das safras: 1975/1976-1976/1977; 1979/1980-1980/1981; 1985/1986-1986/1987; 1995/1996-1996/1997.
Foram usadas médias de duas safras nestes momentos porque se constatou grande variação das produções
(principalmente de açúcar e álcool).
Dois aspectos subjacentes à produção de cana, de açúcar e de álcool merecem
ser tocados: o da produção de equipamentos e máquinas (principalmente para ex-
tração do caldo) e o das pesquisas voltadas ao melhoramento da cana. Quanto ao
primeiro, cabe ressaltar que se constituiu um estreito vínculo entre os proprietários
de usinas paulistas e os das duas empresas (ou grupos empresariais) da indústria
de máquinas e equipamentos (moendas, caldeiras, destilarias, centrífugas, carre-
gadoras de cana etc.). A partir de Ramos (1999), pode-se sintetizar que: tanto o
surgimento do Grupo Dedini, em Piracicaba, no início da década de 1930, como
do Grupo Zanini, em Sertãozinho, no início da década de 1950, decorreram de
Quarenta Anos de Etanol em Larga Escala no Brasil: desafios, crises e perspectivas
62
|
investimentos feitos por empreendedores que tinham vínculos familiares e/ou
muito estreitos com a produção, principalmente de açúcar.
Na trajetória histórica desses dois grupos, foram virtualmente exclusivas a
produção e a oferta de um único tipo de equipamento: a moenda, ou melhor, o
sistema de moendas. Somente a partir de meados da década de 1990 é que o outro
equipamento básico de extração do caldo, o difusor, passou a ser mais utilizado no
Brasil, mesmo em algumas das novas fábricas montadas por proprietários tradicionais
do setor. As trajetórias e as razões que explicam o uso destes dois equipamentos,
inclusive em uma perspectiva comparada com alguns outros países, encontram-se
em Piacente (2010).
14
Quanto ao segundo aspecto, o melhoramento de cana, no Centro-Sul, foi marcante
com a criação, em 1926, da Estação Experimental de Cana de Piracicaba (incorporada
ao Instituto Agronômico de Campinas). A criação da estação foi uma reação governa-
mental à crise provocada por uma doença (o mosaico) que quase dizimou os canaviais
paulistas naquela época (Oliver, 2001). Somente mais de quatro décadas depois foi que
o governo federal criou o Planalsucar, em 1971, (cuja sede foi localizada em Piracicaba),
um programa destinado à pesquisa e inovação que passou a fazer parte da estrutura e/ou
do orçamento do IAA. Um pouco antes, em 1969, os usineiros da Copersucar criaram
o Centro de Tecnologia Copersucar (CTC), também voltado à pesquisa e inovação e a
outros fins (pesquisas agronômicas, usos de equipamentos etc.).
Depois de viver crises decorrentes de recursos orçamentários, o CTC, que
passou a ser denominado de Centro de Tecnologia Canavieira, transformou-se,
em 2011, em uma sociedade anônima cujos acionistas são produtores de todo o
país (usineiros e fornecedores, fundamentalmente). Com o fim do IAA e depois
de indefinições e risco de perda do conhecimento acumulado, os técnicos do
Planalsucar foram alocados em universidades federais, os quais, junto a outros
pesquisadores ou centros universitários, criaram, em 1991, a Rede Interuniver-
sitária para o Desenvolvimento do Setor Sucroenergético (Ridesa). Contudo,
ainda no final da década de 1970, o Planalsucar “começou a perder os técnicos,
nos quais havia investido, para o CTC, especialmente, mas também para os
laboratórios das usinas. Entrou na década de 1980 quase esvaziado. Suas funções
(exceto a de pesquisa básica) acabaram sendo apropriadas pelo CTC” (Ramos
e Belik, 1989, p. 212).
15
14. No período após o Proálcool, a primeira fábrica do Centro-Sul a adquirir um difusor foi a Galo Bravo (Ribeirão Preto/
SP), em 1985-1986, a segunda foi a Cruz Alta (Olímpia/SP), em 1986-1987. Somente após 1996, novas unidades de
tal região adquiriram o equipamento, somando mais 26 unidades. Muitas delas ainda estavam em construção em 2010
(Piacente, 2010). A produção dos difusores contou com a participação de capital estrangeiro, principalmente via acordos
de transferência de tecnologia, nos casos da Dedini e Zanini e em outros.
15. Ver, a respeito, análise mais detalhada em Belik (1985).
Trajetória e Situação Atual da Agroindústria Canavieira do Brasil e do Mercado
de Álcool Carburante
|
63
A conclusão que pode ser extraída dos acontecimentos e das interações entre
Estado e mercado nesse primeiro período analisado é que a intervenção estatal
pode ser parcialmente responsabilizada pelos problemas relacionados à dinâmica
da agroindústria canavieira do Brasil. Isto porque ela criou um “guarda-chuva”
protetor, restritivo e financiador de uma burguesia de origem agrária que montou
fábricas em áreas não necessariamente apropriadas para a produção competitiva.
Assim, sancionou um dado perfil de comportamento setorial que pouco contri-
buiu para fundamentar um setor ou uma ação empresarial marcada pela inovação
e pela competição. Exemplos desta ação parcialmente equivocada do Estado são:
i) o não financiamento de investimentos, durante o Proálcool, de equipamentos
importados, à época mais eficientes; ii) a manutenção do sistema de pagamento
da cana com base no seu peso e não na sua qualidade, até meados da década de
1980; e iii) a determinação legal de preços, bem como a garantia de mercado tanto
para a cana como para o açúcar e o álcool, cujos níveis tinham em conta elevados
custos de produtores marginais.
Assim, o padrão de competição no interior do complexo canavieiro do Brasil
foi marcado, até 1989, pelas seguintes características: propriedade prévia de terras
e incorporação de novas áreas que tivessem terras férteis, com disponibilidade de
recursos naturais (principalmente cursos de água); localização preferencialmente
em terras baratas, bem localizadas em termos de infraestrutura de serviços públicos
(ferrovias e rodovias); acesso a recursos públicos subsidiados; mercados regionais
protegidos; e uso de trabalho não qualificado em grande quantidade – aspecto este
que está mudando em decorrência do crescente uso de colhedoras automotrizes.
Essas afirmações não devem ser vistas apenas como críticas à ação estatal,
como se ela fosse independente das pressões e, enfim, do comportamento dos
agentes privados. Tal comportamento, amplamente conhecido na literatura, não
pode ser ignorado na trajetória do entrelaçamento entre Estado e produtores,
havendo, neste período, benefícios para estes, como de resto ocorreu, e por certo
ainda ocorre, em outros setores produtivos.
3 O PERÍODO CONTEMPORÂNEO (1990-2014)
3.1 O fim da intervenção setorial (1990-2002) e o surgimento da regulação
Embora a liberalização tenha sido iniciada em 1989, com o fim do monopólio do
IAA no comércio externo de açúcar, alcançando seu ponto máximo na extinção do
órgão, em março de 1990, o fato é que os preços de três dos principais produtos
setoriais – a cana, o açúcar cristal standard e o álcool hidratado – foram liberados
apenas em fevereiro de 1999. Esta medida foi, por diversas vezes, adiada por mo-
tivos políticos e eleitorais.
Quarenta Anos de Etanol em Larga Escala no Brasil: desafios, crises e perspectivas
64
|
O fato que mais chama a atenção no período posterior ao fim da intervenção
é o caráter casuístico das medidas tomadas a partir de então, sujeitas a alterações
conjunturais e a pressões diversas. A intervenção tornou-se uma regulação pouco
efetiva e errática, em uma concepção inspirada em Baccarin (2005), que detalha
as medidas relacionadas ao setor entre 1990 e 2002.
16
A regulação manteve a obri-
gatoriedade de mistura de álcool anidro à gasolina, bem como estabeleceu o apoio
à estocagem de álcool, financiamentos com juros baixos ou subsidiados, apoio às
pesquisas e aos investimentos para a produção, melhoramento da cana, aquisição
de máquinas e equipamentos (para cogeração e colhedoras automotrizes). Também
foi adotado, a partir de 2009, um zoneamento agroecológico em âmbito nacional
para a ampliação dos canaviais e das fábricas no país, depois que se avolumaram
as críticas à expansão pretérita.
17
Uma percepção da evolução da agroindústria canavieira na década de 1990 é
apresentada em dados na tabela 8. Estes dados apresentam uma noção do ajuste de
mercado decorrente da transição do regime intervencionista para o regulacionista.
Alguns componentes deste processo merecem destaque, a exemplo da positiva
evolução do rendimento agrícola, já que ele se elevou em quase 11% no período.
Em contraposição, a participação da cana moída procedente dos fornecedores
caiu 14%, mostrando que tais agentes sentiram o fim da administração do preço
da matéria-prima.
18
Ela foi substituída pelo advento, em 1998, do Conselho dos
Produtores de Cana-de-Açúcar, Açúcar e Álcool (Consecana), cuja principal ca-
racterística é a remuneração da cana com base no seu teor de sacarose ou Açúcar
Total Recuperável (ATR), e cujos referenciais são os preços do açúcar e do álcool
tanto no mercado interno como no externo.
O sistema Consecana pode ser considerado um arranjo ou modelo positivo
de governança privada no contexto do agronegócio brasileiro. Ainda assim, ele
tem recebido críticas porque não inclui, em todos os contratos, a remuneração
pelas indústrias aos fornecedores do bagaço (que permite a obtenção de energia
elétrica para movimentar a fábrica e venda do excedente). A ausência de correção
de alguns parâmetros da fórmula utilizada (como os que definem o ATR) também
são queixas ainda em pauta.
16. Ver também, a respeito, Moraes (2000) e Costa (2003).
17. Entre diversos trabalhos que trataram do tema está Szmrecsányi et al. (2008).
18. Dados censitários revelam que a área média colhida com cana no Brasil passou de 9,4 ha, em 1985, para 11,2,
em 1995/1996, e 28,9, em 2006. Quanto aos estabelecimentos com atividade econômica na lavoura canavieira, as
evoluções nos mesmos anos foram as seguintes: a área média total passou de 89,08 ha para 115,13 ha e 132,62 ha, o
número de estabelecimentos passou de 85.048 para 64.431 e 64.812, respectivamente, o que evidencia que somente
áreas colhidas e estabelecimentos maiores têm conseguido se manter na base da agroindústria canavieira do país.
Trajetória e Situação Atual da Agroindústria Canavieira do Brasil e do Mercado
de Álcool Carburante
|
65
TABELA 8
Evolução da agroindústria canavieira – Brasil (1990 e 2002)
Variável
Média do período 1990-1992
Média do período
2000-2002
Evolução
(%)
1. Área colhida de cana no Brasil (em milhões de ha)
4,23
4,96
17,26
2. Rendimento da cana produzida (t/ha)
62,68
69,42
10,75
3. Cana moída total (mil t)
225.037
287.790
27,89
(Percentual de cana de fornecedores)
40,00%
34,40 %
-14,00
4. Produção de açúcar (t)
8.386.650
19.132.013
128,12
(Percentual da região Norte-Nordeste)
34,87%
18,45%
-47,09
5. Produção de álcool total (m
3
)
11.988.958
11.490.252
-4,16
(Percentual da região Norte-Nordeste)
14,67%
12,64%
-13,84
(Percentual da produção de álcool hidratado)
84,74%
44,67%
-47,29
6. Número de unidades produtoras – Brasil
1990/1991: 394
2001/2002: 306
-22,73
Norte-Nordeste
1990/1991: 126
2001/2002: 83
-34,13
Centro-Sul
1990/1991: 268
2001/2002: 223
-16,79
7. Capacidade média de moagem/Brasil
(Equivalente produto) (%)
1990/1991: 59,5
2001/2002: 113,2
90,25
Norte-Nordeste (%)
1990/1991: 42,9
2001/2002: 61,4
43,12
(Centro-Sul (%)
1990/1991: 67,2
2001/2002: 132,4
97,02
8. Quantidade exportada de açúcar (mil t)
2.365,30
10.344,63
337,35
(Percentual da produção nacional)
28,20%
57,05%
(1)
102,30
9. Preço médio do açúcar exportado (US$/t)
257,12
181,69
-29,34
10. Consumo de álcool anidro (milhões de litros)
1.697
6.044
256,16
11. Consumo de álcool hidratado (milhões de litros)
9.950
4.769,67
-52,06
12. Consumo de gasolina (milhões de litros)
10.022,33
16.795
67,58
13. Percentual de gasolina exportada/gasolina
produzida
15,80%
14,47%
-8,42
14. Importação de álcool (milhões de litros)
930
60,67
-93,48
15. Percentual de carros a álcool/total vendas novos
20,23%
2,03%
-89,97
Fonte: Brasil (2007) e Baccarin (2005).
Nota:
1
Aqui o período (1999-2001) da média da quantidade exportada é o mesmo da média da quantidade produzida, a qual
difere da média constante do item 4, que é a do período 2000-2002.
Obs.: Valores da média trienal, salvo nos casos indicados.
De acordo com os dados da tabela 8, nota-se que as maiores elevações ocor-
reram: i) na exportação de açúcar, que se fez com queda de preço a que foi ven-
dida e implicou significativo aumento da sua participação na produção nacional;
ii) no consumo de álcool anidro (por ato mandatório e com melhor remunera-
ção), que foi acompanhado de queda na produção e no consumo do hidratado;
iii) na elevação da produção de açúcar, principalmente no Centro-Sul, caindo a
participação percentual do Norte-Nordeste. Observa-se também nos dados que
Quarenta Anos de Etanol em Larga Escala no Brasil: desafios, crises e perspectivas
66
|
o ajuste ocorrido no período manifestou-se na capacidade de moagem, que também
aumentou no Centro-Sul, onde o número de unidades de produção caiu menos
que no Norte-Nordeste.
Ao mesmo tempo, dois outros aspectos devem ser observados acerca desse
período, indicando movimentos que evidenciam fragilidades do Proálcool: i) a
exportação de gasolina pela Petrobras com preços mais baixos que os obtidos no
mercado interno, não obstante a significativa elevação de seu consumo; ii) a grande
queda na importação de álcool.
3.2 A (nova) euforia (2003-2007): rumo a um grande mercado global?
É ilustrativo das expectativas do setor sucroalcooleiro nesse período a considera-
ção de Lucon e Goldemberg (2009) de que “os subsídios na produção do etanol
brasileiro, estimados em US$ 30 bilhões entre 1975 e 2000, reduziram o custo de
produção por um fator 3, tornando o etanol competitivo com a gasolina em 2004
sem nenhum subsídio” (Lucon e Goldemberg, 2009, p. 125).
Contudo, não foi essa suposta competitividade que possibilitou a recuperação
do mercado de álcool hidratado e sim o advento, em 2003, do automóvel flex fuel.
Trata-se de um veículo originalmente movido a gasolina que foi adaptado para
consumir, em quaisquer proporções, a mistura álcool hidratado-gasolina mais
álcool anidro. Quanto a este último, cabe registrar que desde 1993 sua adição à
gasolina havia se tornado obrigatória em um percentual fixado em 22%, alterado
para o intervalo de 20% a 24%, em 2001, faixa ampliada posteriormente para
18% a 25%.
19
Muitos países adotaram ou ampliaram políticas voltadas ao uso de
combustíveis alternativos, levando a que o setor privado e o público no Brasil assu-
missem posição extremamente otimista quanto à possibilidade de o país tornar-se
um grande exportador de álcool anidro.
Estudo do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE, 2009), utilizando
relatórios elaborados, principalmente, por pesquisadores vinculados ao Núcleo
Interdisciplinar de Planejamento Energético da Unicamp (Nipe) estimou que a
demanda mundial de bioetanol chegaria a 150 bilhões de litros em 2015 (ou seja,
150 milhões de metros cúbicos) e a 205 bilhões de litros em 2025.
20
De acordo
com o trabalho, o incentivo viria de políticas públicas que estavam sendo gesta-
das e passaram a ser adotadas pela grande maioria dos países, em que a principal
19. Baccarin (2005) mostra que, entre 1976 e 1990, o percentual de adição de álcool anidro à gasolina variou con-
sideravelmente; entre 1990 e 2002 ele oscilou menos, mas passou dos 11% no primeiro ano para 28% no último.
Até o início dezembro de 2014, situou-se, principalmente, nos 25%.
20. Cabe acrescentar que a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a Organização
das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) estimaram, para o ano de 2019, um mercado de etanol,
estimulado pelas políticas públicas, de 159 bilhões de litros em todo o mundo, com o preço do petróleo situando-se
em US$ 97 por barril, ver OCDE e FAO (2010, p. 102).
Trajetória e Situação Atual da Agroindústria Canavieira do Brasil e do Mercado
de Álcool Carburante
|
67
meta seria a substituição de 10% da demanda projetada de gasolina por álcool.
Havia então a expectativa de que o Brasil seria o principal fornecedor de bioetanol
combustível no mercado internacional. O trabalho também estimou que o Brasil
elevaria a exportação de açúcar a uma taxa anual de 1%, “metade do aumento da
oferta mundial de açúcar” entre 2005 e 2025 (CGEE, 2009, p. 271).
Observando a realidade do setor, mesmo com o fim do período de inter-
venção setorial para o período de regulação, nota-se que a atividade canavieira
não saiu de um endividamento de grandes proporções, que foi acumulado nos
anos anteriores a 2008 (tabela 9). Os dados indicam que, mesmo após a entrada
em uma fase de grande produção, do aumento das vendas internas e externas
de açúcar e etanol, e mesmo antes do atual controle de preços da gasolina, as
dificuldades do setor persistiam.
TABELA 9
Dívidas das usinas sucroalcooleiras junto ao Instituto Nacional de Seguridade Social
(INSS), por estado (2008)
(Em R$)
Estado
Valor
Unidade da Federação
Valor
Alagoas
767.256.711,76
Mato Grosso do Sul
31.513.029,17
São Paulo
644.295.669,37
Espírito Santo
19.429.473,61
Pernambuco
367.471.832,82
Minas Gerais
18.494.856,04
Paraná
93.034.716,97
Maranhão
14.660.447,74
Goiás
63.545.059,38
Ceará
5.460.018,32
Paraíba
59.261.281,34
Piauí
3.805.994,72
Mato Grosso
54.995.734,48
Sergipe
2.580.592,82
Rio de Janeiro
44.865.372,90
Brasil
2.240.139.541,54
Fonte: Ramos (2008).
Entidades ligadas aos usineiros também foram bastante otimistas quanto
às projeções do potencial de exportação de etanol. Na época, seus representantes
estimaram que seriam necessárias mais de cem novas unidades e apontaram o
montante de recursos que seriam necessários para isto, tanto por parte dos agentes
privados como por parte do governo.
21
O fato é que, na média dos anos de 2011,
2012 e 2013, as exportações de etanol representaram apenas algo em torno de 10%
da produção nacional. Nosso maior importador, os Estados Unidos, tornou-se o
maior produtor mundial de álcool, embora contando com subsídios.
22
21. O BNDES, maior agente financiador dos investimentos no complexo canavieiro, teve desembolsos para o “setor
sucroalcooleiro”, na média de 2001 a 2005, pouco acima de R$ 1 bilhão. Passou para a média de R$ 6,5 bilhões entre
2008 e 2012, embora tenha recuado de 2010 para 2012 (Barros et al., 2012, p. 176).
22. Cabe lembrar o encontro, em 2007, dos presidentes Lula e Bush, cujo objetivo foi propagar a conveniência de um
mercado mundial de etanol, ou seja, sua transformação em commodity, algo que até agora não ocorreu.
Quarenta Anos de Etanol em Larga Escala no Brasil: desafios, crises e perspectivas
68
|
O comentário que procede é que o exagerado otimismo de muitos quanto
à possibilidade da exportação de etanol subestimou o fato de que principalmente
os países desenvolvidos não pretendiam e não querem depender da importação de
energia em proporções significativas. É bom lembrar que isto também vale para
o mercado de alimentos e estes dois mercados associam-se, como é sabido, aos
acordos regionais e são muito influenciados por regras e barreiras não tarifárias,
que envolvem diversas exigências, tais como garantia de abastecimento regular e
rigoroso controle de qualidade. Isto guarda relação com o propalado fim da era
do petróleo e com os impactos ambientais e sociais dos novos bens energéticos.
Essa associação entre produção de alimentos e energia a partir da biomassa,
produzida em terras que se tornam cada vez mais escassas no interior de muitos
países, foi contemplada em uma apropriada fala do mesmo presidente que chamou
os usineiros de “heróis nacionais”, ao se dar conta de que a flexibilidade de redire-
cionamento do caldo de cana para produzir ora açúcar, ora álcool, de acordo com
suas respectivas rentabilidades, decorrentes de preços internos e, principalmente,
externos, constitui-se em uma vantagem para eles. Entretanto, não é algo neces-
sariamente vantajoso quando se trata da garantia de abastecimento de dois bens
essenciais para a economia e sociedade de um país.
23
Em 2011, o governo federal
mudou o caráter legal do álcool, que passou a ser classificado como combustível,
“o que permite a ação da ANP em seu controle. A principal ênfase deste controle
relaciona-se com a questão de estoques regulatórios, cuja função é, em momentos
de entressafra da cana, reduzir as oscilações do preço do etanol hidratado” (Buscarini
e Cesca, 2012, p. 5). Tais mudanças são também motivadas pelos avanços inter-
nos na legislação ambiental que trata da redução das externalidades na produção
agroindustrial da cana e seus derivados.
24
3.3 Momento atual (2008-2014): a ainda difícil concorrência com derivados
de petróleo
Segundo análise do Centro de Inteligência do Agronegócio da Price-waterhouseCoopers,
“até 2008, todo mundo queria investir no Brasil por causa do etanol. Com o congelamento
do preço da gasolina e o aumento do custo de produção, viram que o investimento não é
tão rentável como esperavam”.
25
23. Ver matéria no jornal Folha de S. Paulo, edição de 23 de janeiro de 2010, p. B3: “O presidente criticou quem,
‘quando o álcool está em um bom preço’, é ‘empresário na área de energia’, mas, ‘quando é o açúcar que está bom,
você volta a ser um empresário no setor de agricultura’”. O único reparo que cabe nesta fala é que o açúcar não é um
produto agrícola e sim industrial, tal como o álcool. Isto não obstante o fato de que, no contexto mundial, o açúcar
seja considerado ou classificado como commodity agrícola (ver, por exemplo, as publicações do USDA – United States
Department of Agriculture e da FAO).
24. Em recente artigo publicado na imprensa escrita, o ex-diretor e ex-presidente da Petrobras e também ex-ministro
de Energia (Shigeaki Ueki) observou que, entre as prioridades do mercado de energia, estão, além do menor impacto
ambiental, as economias de divisas, de segurança, de suprimento, e de modicidade de tarifas e preços (UEKI, 2015).
25. Trabalhos jornalísticos têm pautado a concepção e “caracterização” da crise, como se nota na matéria de Pereira (2012).
Trajetória e Situação Atual da Agroindústria Canavieira do Brasil e do Mercado
de Álcool Carburante
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69
A presença do capital estrangeiro na agroindústria canavieira do Brasil passou
a aumentar significativamente após o início do século XXI. Estimativas dão conta
de que ela já é responsável por algo em torno de um quarto da produção de açú-
car e de álcool. Outro aspecto importante é a recente entrada de grandes grupos
nacionais, como a Odebrecht.
26
Embora com as dificuldades que enfrentam este
e aquele capital (as quais já teriam provocado desinvestimentos), o fato é que a
entrada do capital externo levou grupos nacionais tradicionais a buscarem novas
estratégias de sobrevivência e de crescimento. Para isso, pautam-se em associações,
fusões, reestruturação societal, administrativa, renovação de quadros executivos,
reposicionamento setorial etc. O caso mais representativo e pioneiro das mudanças
ocorridas é o do Grupo Cosan, que comprou várias usinas e constituiu empresas
para atuar em diversas atividades, não apenas diretamente vinculadas ao setor,
conforme destacado no capítulo 3 deste livro.
27
Contudo, é nas demais atividades do complexo canavieiro (produção de
equipamentos, melhoramento da cana, prestação de serviços etc.) que a presença
de novos (e não necessariamente grandes) capitais, principalmente estrangeiros,
vem gerando maiores expectativas. Sugerem que ganhos significativos de eficiência,
entre outros fatores de dinamização, podem ser alcançados no futuro próximo.
Novos agentes trazem, assim, as experiências de suas atuações em outros setores, o
que permitiu a construção de reconhecidas forças competitivas, construídas com
base em investimentos altamente especializados.
Além desses elementos, já se fez menção, neste texto, ao caso da disponibiliza-
ção de recursos devido à sua não imobilização, por parte das indústrias, na aquisição
de terras para a produção de cana. Há também uma série de inovações tecnológicas
em implantação e outras em desenvolvimento que elevarão a produtividade do
setor, sendo a biotecnologia uma das áreas que mais tem atraído o interesse, com o
melhoramento e a diversificação do uso da cana.
28
Neste campo, a estruturação da
pesquisa no setor privado inclui: a entrada da empresa multinacional Monsanto,
que adquiriu, do Grupo Votorantim, a empresa de biotecnologia CanaViallis; a
atuação da Syngenta, que se propõe a revolucionar o plantio de cana; a atuação
da Amyris, que se dedica à produção de biodiesel da cana e outros; a ampliação
26. A Odebrecht Agroindustrial opera nove usinas em quatro estados do Centro-Sul (São Paulo, Goiás, Mato Grosso e
Mato Grosso do Sul). Sua produção própria de cana chega a 80% e sua maior preocupação atual é elevar o rendimento
por hectare. Conforme matéria intitulada Olhar gastos com lupa e elevar produtividade são a saída para usinas, de
Mauro Zafalon, publicada na Folha de S. Paulo, edição de 9 de setembro de 2014, Caderno Mercado, p. B5.
27. Diversos casos foram indicados em Barros et al. (2012, p. 64-69).
28. Os casos ilustrativos são: a entrada da Monsanto, que adquiriu, do Grupo Votorantim, a empresa de biotecnologia
CanaViallis (e a Alellys, que atua na área da citricultura), a atuação da Syngenta, que se propõe a revolucionar o plantio
de cana (até hoje marcado pelo tradicional uso de toletes), a atuação da Amyris, que se dedica à produção de biodiesel
da cana, a Novozymes, que produz enzimas voltadas à fermentação. O CTC passou a ter concorrentes e a estabelecer
parcerias, principalmente com centros no exterior para alavancar suas atividades. Entre as empresas nacionais, cabe
destaque à Fermentec, que tem desenvolvido novas leveduras para fermentação alcoólica.
Quarenta Anos de Etanol em Larga Escala no Brasil: desafios, crises e perspectivas
70
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da atuação da Novozymes, que produz enzimas voltadas à fermentação. Entre
as empresas nacionais, cabe destaque à Fermentec, que tem desenvolvido novas
leveduras para fermentação alcoólica, a Brasken, na área química e empresas de
menor porte, além de produtores de etanol que desenvolvem pesquisas, como a
Petrobras e a Cosan.
Igualmente, a produção e a oferta de máquinas e equipamentos tornaram-se
bastante concorridas, tendo em vista sua diversificação e ampliação, com novas opções
de turbinas, de equipamentos ligados à destilação, de serviços de comando e controle
do processo produtivo etc. Tais aspectos do avanço tecnológico têm se firmado em
linhas de pesquisas também de entes públicos, embora não se possa ignorar a exis-
tência de conteúdos discursivos por parte de gestores ou de outros agentes no setor.
Assim, a entrada e a atuação de novos agentes levam necessariamente à maior
profissionalização, especialização, produtividade, busca de novas fontes de ganhos,
redução de custos, entre outros fatores com potencial de dinamização no interior
do complexo.
29
A crise setorial que se fez presente depois de 2008 tem sido responsável, de
fato, pelo fechamento de muitas fábricas em todo o território nacional. Quase
de forma unânime, os produtores e seus representantes responsabilizam o preço
da gasolina por tal crise, afirmando que isto atinge a competitividade do álcool.
Assim, em “seis anos consecutivos de crise, sem alívio”, mais de cinquenta uni-
dades foram, outras estão sendo fechadas e “quase sessenta usinas encontram-se,
hoje, em regime de recuperação judicial”.
30
Ainda segundo o mesmo artigo,
“o fim da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) foi o grande
baque, porque representou uma perda potencial de faturamento de quase R$ 10
bilhões por safra.”
31
Segundo a estimativa, a manutenção da Cide “significaria um
acréscimo de pelo menos R$ 0,20 nos preços do hidratado e do anidro” (Veifga
Filho, 2014, p. 66).
32
De fato, a Cide sobre a gasolina começou a ser reduzida em
meados de 2008, foi “zerada” em meados de 2012 e retornou em maio de 2015.
29. Ressalta-se, contudo, que há muito a se desenvolver na produção de bioenergia, embora “também há impactos que
podem ser negativos, porque a intensificação da agricultura implica, por exemplo, aumento do uso de agroquímicos
que, em geral, resultam na contaminação da água e da biota” (Alisson, 2014).
30. Trechos retirados da matéria assinada por Lauro Veiga Filho, cujo título é o primeiro trecho. Publicada no encarte
Valor Setorial, julho 2014, p. 67.
31. A Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) Combustíveis foi criada pela Lei n
o
10.336, de 19 de
dezembro de 2001, e incidiu sobre a gasolina e o diesel até 2012, tendo alíquotas distintas e modificadas várias vezes.
32. A crise atual atingiu também a produção de máquinas e equipamentos. A Dedini Indústria de Base, empresa líder
na venda e instalação de equipamentos, peças e usinas completas de açúcar e álcool, “De 2008 a 2011 teve reduzido
em 73% seu faturamento com o setor” e “em 2012 a Dedini não vendeu um único equipamento para ampliação da
capacidade das usinas”. Assim, a “consequência veio na redução do pessoal: dos 6,5 mil funcionários que tinha em
2008, a Dedini tem apenas 3,5 mil em 2011, uma redução de 46%”. Trechos retirados da matéria assinada por Chico
Siqueira, intitulada Faturamento cai e indústria já demite, publicada em O Estado de S. Paulo, edição de 2 de abril de
2012, Caderno Economia, p. B6. Portanto, ocorreu o contrário da expectativa do BNDES (2012) de provável insuficiência
de três equipamentos vitais para a produção alcooleira (moenda/difusores, caldeiras e destilarias) face à “necessidade
de implantação de quase 130 novas usinas até 2020-2021” (Valente et al., 2012, p. 119).
Trajetória e Situação Atual da Agroindústria Canavieira do Brasil e do Mercado
de Álcool Carburante
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71
A União da Agroindústria Canavieira do Estado de São Paulo (Unica, 2005),
hoje União da Indústria da Cana-de-Açúcar, a maior entidade representativa dos
produtores da região Centro-Sul, afirma que
o custo de produção do etanol nas usinas mais eficientes, em condições estáveis (2003),
já era equivalente ao custo internacional da gasolina, sem aditivos, com petróleo a
US$ 25/barril. Há boas possibilidades de aumento desta competitividade nos próxi-
mos anos, e claramente o setor é sustentável neste sentido (Macedo, 2005, p. 185).
Para o autor, essa tese ilustra os seguintes aspectos, a partir de 1980-1990:
introdução de novas variedades de cana; novos sistemas de moagem; fermentação
mais eficiente; uso de vinhaça como fertilizante; controle biológico da broca da
cana; otimização das operações agrícolas; autonomia em energia; 1990-2000:
início da venda de energia excedente; melhor gerenciamento técnico, agrícola e
industrial; novos sistemas para colheita e transporte da cana; avanços em automação
industrial. Acrescente-se nos últimos anos a ampliação da expectativa de etanol da
chamada segunda geração – etanol celulósico.
O BNDES (BNDES e CGEE, 2008, p. 174) em trabalho apoiado por enti-
dades internacionais (FAO, Cepal) traz dados do “impacto da introdução de novas
tecnologias na produção de bietanol” no Brasil: segundo o trabalho, o aumento da
produtividade agrícola, entre 1977-1978 e 2010-2015, teria sido da ordem de 28%; a
da industrial de 25% e, assim, a da agroindustrial de 54%, o que teria feito com que se
passasse a produtividade agroindustrial de 4.550 para 7.200 litros de álcool por hectare.
O estudo aponta ainda que os ganhos de eficiência incluem a diminuição das perdas
na lavagem de cana, das perdas no tratamento do caldo, das perdas na destilação e
no vinhoto e dos ganhos na eficiência de extração e no rendimento da fermentação.
Fator relevante na dificuldade de competitividade do álcool face à gasolina, nos
últimos anos, é a elevação dos custos de produção, conforme abordado no capítulo
1. Há também o efeito das perdas de rendimentos (tanto agrícola como industrial)
ocasionados pelos problemas climáticos nas últimas safras. Estas dificuldades devidas
a fenômenos naturais foram significativamente ampliadas devido ao reconhecido
recuo e mesmo ao abandono dos tratos culturais dos canaviais, motivados pelas
dificuldades financeiras dos produtores. Ademais, não se pode menosprezar, como
já abordado, a dificuldade de superação de comportamentos – cujas marcas são o
patrimonialismo e a dependência do protecionismo estatal – que fundamentaram
uma estrutura produtiva com viés, não obstante o progresso técnico que ocorre.
33
33. Recentemente tem sido mencionado que a “usina flex” (etanol a partir da cana ou do milho, por exemplo) pode ser
uma forma de diminuir os custos de produção do álcool. Milanez et al. (2014) consideram que “a produção de etanol
pela integração do milho-safrinha às usinas de cana-de-açúcar” e que “uma usina flex, capaz de processar cana-de-
-açúcar e milho, pode ser uma promissora alternativa para garantir rentabilidade da produção de etanol, especialmente
em um contexto de pressão crescente de custos nessa atividade. E mais: essa alternativa não apresenta prejuízos
ambientais significativos sobre o etanol brasileiro” (Milanez et al., 2014, p. 190). Esta integração pode esbarrar na
necessária desmontagem de alguns equipamentos da fábrica para reforma e manutenção periódicas na entressafra
do processamento de cana.
Quarenta Anos de Etanol em Larga Escala no Brasil: desafios, crises e perspectivas
72
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Por conseguinte, atribui-se à menor tributação e à contenção dos preços da
gasolina no mercado interno a perda de competitividade da produção alcooleira.
34
A conclusão implícita que traz este raciocínio é que tal produção depende de níveis
maiores de preços da gasolina ou de subsídios que viabilizem o mercado de álcool.
Esta interpretação lembra as críticas já apresentadas neste texto acerca do advento
e da trajetória do Proálcool.
É de amplo conhecimento que subsídios são comuns na produção de ma-
térias-primas (beterraba, canola, milho, girassol etc.) para a obtenção de etanol
e de biodiesel na União Europeia. Contudo, como se sabe, eles beneficiam, em
boa medida, os agricultores familiares que caracterizam as estruturas agrárias dos
países de tal zona.
Em diversos países, a energia é subsidiada, mesmo quando não há concor-
rente, como a oriunda de fonte fóssil. O montante de subsídios a este tipo de
energia situou-se em 9,2% do produto interno bruto (PIB) na Venezuela, em
2011, e em 3,3%, nos Estados Unidos; no Brasil, em 0,2%, mas aumentou os
destinados à energia elétrica, os quais deverão atingir 0,4% do PIB em 2014
(Borges, 2014).
A produção canavieira na zona da mata dos estados nordestinos, principal-
mente, é dependente de subsídios. Uma (nova) subvenção estatal foi pleiteada
pelos produtores locais de cana (e por suas entidades representativas) e finalmente
concedida nos últimos anos.
35
Este tipo de apoio foi iniciado no final da década de
1960, interrompido recentemente durante algum tempo e sua retomada é justifica-
da, assim como no passado, com base no argumento (expressado pelos produtores
locais e seus representantes no Congresso Nacional) de que é fundamental para
a manutenção dos empregos gerados pela produção local, não obstante o fato de
que tal produção é menos eficiente que a do Centro-Sul do país.
36
34. A demanda dos produtores de álcool foi atendida recentemente pelo governo federal: o retorno da Cide, somado
ao reposicionamento de alíquotas do PIS/Cofins, provocou impacto de R$ 0,22 no preço da gasolina. Além disso, no
dia 16 de março a mistura de anidro à gasolina passou de 25% para 27%. Este aumento demorou para ser efetivado
devido à relutância da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) em concordar com ele.
35. A média das subvenções nas safras de 2008/2009, 2009/2010 e 2010/2011 foi de R$ 65,68 milhões, beneficiando
a média de 16.870 produtores, sendo que a média do número de operações foi de 34.379, o que significa que um
mesmo produtor beneficiou-se de diversas operações. Os estados mais contemplados foram Pernambuco e Alagoas.
O Rio de Janeiro aparece apenas na safra de 2008/2009. Na safra de 2010/2011, o estado da Bahia foi o que teve
maior parcela (57,3%) da produção subvencionada (Santos e Caldeira, 2013).
36. Rosa (2013, p. 100) considera positiva a ampliação das disparidades entre as regiões Centro-Sul e Norte-Nordeste
no tocante não somente à produção de álcool, “mas também em termos do baixo nível de tecnologias adotado ou
da falta de adesão a boas práticas socioambientais”. Assim, cabe questionar a manutenção da produção de cana e
de seus derivados na zona da mata, principalmente em Pernambuco, em decorrência da topografia local, do diminuto
tamanho de muitos fornecedores e de suas práticas ou sistemas de produção, além da longevidade dos equipamentos
usados pelas usinas locais. Algumas já fecharam, o que permitiu inclusive a destinação de áreas para assentamentos
de trabalhadores sem terra. Enfim, não há como negar a conveniência ou mesmo a necessidade de políticas públicas
e de ações privadas que permitam uma diversificação do uso das terras naquelas condições.
Trajetória e Situação Atual da Agroindústria Canavieira do Brasil e do Mercado
de Álcool Carburante
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73
Um aspecto que permeia esse momento e sua crise é a capacidade de oferta
do bem concorrente – petróleo e derivados. Os dados da tabela 10 evidenciam
que as menores evoluções nos indicadores de produção de petróleo ocorreram na
capacidade instalada de refino de petróleo e na importação de petróleo.
37
Os demais
dados, contudo, sinalizam evolução favorável de nossa indústria petrolífera depois
de 1970. A produção brasileira de petróleo fez recuar parte relativa da importação,
após a década de 1980. E como se sabe, quanto maiores os preços internacionais,
maior a viabilidade da exploração de nossas reservas
38
e vice-versa. Este cenário,
a depender do aumento do refino para extração de gasolina, não é vantajoso para
o etanol. Quanto ao gás natural, sua importação cresceu significativamente nos
últimos anos, aproximando-se da metade de nossa produção.
TABELA 10
Reservas, produção e importação de petróleo e gás natural – anos selecionados
Item
1970
1980
1990
2000
2013
Reservas de petróleo (em 10
3
m
3
)
120.730(1975)
209.540
717.516
1.345.746
2.340.100
Reservas de gás natural (em 10
6
m
3
)
25.936(1975)
52.544
172.018
220.999
433.958
Produção de petróleo (em 10
3
tep)
8.161
9.256
32.550
63.849
104.762
Produção de gás natural (em 10
3
tep)
1.255
2.189
6.233
13.185
27.969
Importação de petróleo (em 10
3
tep)
17.845
44.311
29.464
20.537
20.373
Importação de gás natural (em 10
3
tep)
0
0
0
1.945
14.926
Capacidade instalada de refino petróleo (m
3
/dia)
164.200(1974)
233.100
241.40
294.025
334.433
Fonte: Balanço Energético Nacional 2013 (BEN) (EPE/MME, 2014).
Cabe lembrar que a interpretação desses aspectos dinâmicos da cadeia do
petróleo não implica, obviamente, a defesa da indústria de combustíveis de origem
fóssil frente à indústria do etanol ou de energias renováveis. Há de se ter em conta
o problema ambiental, principalmente face aos menores impactos das alternativas
energéticas que estão surgindo, o que inclui o álcool. Por isso, a promoção da
competitividade do etanol, bem como medidas de dinamização da produção e da
gestão empresarial devem ser acompanhadas de políticas de não subsídio à gasolina.
37. Barros et al. (2012, p. 45) mostram que foi depois de 1988 que o refino passou a crescer abaixo do crescimento do
consumo diário dos derivados de petróleo no Brasil. Em 2012, todas as refinarias brasileiras processaram petróleo em
montantes que se situaram bem próximos da capacidade de refino. Ver Rosa (2013, p. 77).
38. Cabe ressaltar a importância do pré-sal. Yergin (2014) considera que “se o desenvolvimento ocorrer mais ou menos
conforme o planejado e não houver grandes decepções, o Brasil poderá, dentro de quinze anos, produzir quase 6 milhões
de barris/dia, o dobro da produção atual da Venezuela. O investimento seria enorme – US$ 500 bilhões ou mais –, mas
faria do Brasil um dos maiores produtores de petróleo do mundo, tornando-se um dos alicerces da oferta mundial de
energia nas próximas décadas” (Yergin, 2014, p. 265-266). Para Barros et al. (2012, p. 49), “seria um erro estratégico
o Brasil, com o pré-sal, cair na tentação de aumentar o consumo de derivados de petróleo”. Tal opinião tem sua pro-
cedência, especialmente quanto ao problema ambiental, mas cabe perguntar o que vai viabilizar os investimentos que
foram e estão sendo feitos relacionado a tal descoberta. Em recente entrevista, Yergin (apud Costa, 2015) manifestou
o entendimento de que, face aos progressos conseguidos pelos Estados Unidos na exploração do xisto, os preços do
petróleo tenderão a situar-se não muito além dos US$ 50/barril, o que vai obrigar, segundo ele, a Petrobras a rever seu
cronograma de exploração do pré-sal.
Quarenta Anos de Etanol em Larga Escala no Brasil: desafios, crises e perspectivas
74
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A tabela 11 apresenta dados do consumo de álcool hidratado, de gasolina
e de diesel decorrentes do sistema de transporte no Brasil entre 2004 e 2013.
Contém também dados sobre o licenciamento de veículos automotores segun-
do o uso de combustível. Entre os maiores crescimentos estão o licenciamento
de veículos flex e o consumo de álcool hidratado. Isto lembra um problema do
passado recente: caso sejam dadas as condições, se os proprietários de todos estes
veículos usassem (ou vierem a usar) este combustível é certo supor que a oferta
interna tornar-se-ia insuficiente e haveria necessidade de se recorrer à importação
de maiores quantidades.
39
TABELA 11
Consumo de alguns bens pelo sistema de transporte e dados sobre o licenciamento
de veículos automotores – Brasil
Item
Unidade
Média de 2004,
2005 e 2006
Média de 2011,
2012 e 2013
Crescimento
Consumo de álcool anidro no transporte
10
3
m
3
6.763,00
8.626,67
27,56%
Consumo de álcool hidratado no transporte
10
3
m
3
5.862,00
12.228,33
108,60%
Consumo de gasolina no transporte
10
3
m
3
18.069,33
30.240,33
67,36%
Consumo de diesel de petróleo no transporte rodoviário
10
3
m
3
30.615,67
41.195,67
34,56%
Licenças de veículos novos movidos a gasolina
Unidade
697.180
279.947
-59,85%
Licenças de veículos novos flex fuel
Unidade
856.939
3.060.086
257,09%
Licenças de veículos novos movidos a diesel
Unidade
173.696
393.976
126,82%
Fonte: Anuário da Indústria Automobilística Brasileira 2014 (Anfavea, 2014).
Acerca das intervenções estatais no mercado, nos últimos anos, observa-
-se que os preços internos, medidos em dólares, que menos se elevaram foram
os da gasolina e do óleo diesel, seguidos do preço do gás liquefeito de petró-
leo (tabela 12). Entretanto, o preço médio do álcool hidratado em moeda
nacional,
40
recebidos pelas usinas paulistas em junho de 2004 e em junho de
2013, elevou-se acima da inflação do período, considerada a partir de dois
índices do IBGE.
39. A possibilidade de falta de álcool foi objeto de preocupação de funcionários do BNDES (Milanez et al., 2012).
40. Destaca-se aqui o caso do álcool hidratado porque, embora o álcool anidro também tenha seu preço (e, portanto,
rentabilidade) igualmente afetado pela política de preços voltada à gasolina, o fato é que sua mistura a esta minora
o problema, já que ela é comercializada a preços maiores. Segundo dados da Petrobras citados por Buscarini e Cesca
(2012, p. 2), o custo do etanol anidro compõe apenas 10% do preço da gasolina C. É amplamente conhecida a relação
técnica de eficiência energética que impõe ao preço do álcool hidratado a restrição de situar-se no máximo a 70% do
preço da gasolina.
Trajetória e Situação Atual da Agroindústria Canavieira do Brasil e do Mercado
de Álcool Carburante
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75
TABELA 12
Evolução de preços correntes de algumas das principais fontes de energia usadas – Brasil
Fonte
Referência
Média de 2004, 200 e 2006
2
Média de 2011, 2012 e 2013
Petróleo importado
US$/barril
60,5
115,6 (191,1)
Óleo diesel
US$/m
3
689,0
1.115,3 (161,9)
Gasolina
US$/m
3
940,0
1.451,0 (154,4)
Óleo combustível
US$/t
280,3
540,3 (192,8)
GLP
US$/t
965,3
1.595,0 (165,2)
Gás natural combustível
US$/10
3
m
3
155,0
614,3 (396,3)
Eletricidade industrial
US$/Mwh
76,3
168,7 (221,1)
Eletricidade residencial
US$/Mwh
124,3
231,3 (186,1)
Etanol hidratado
US$/m
3
555,0
1.042,7 (187,9)
Preço do álcool hidratado combustível
1
R$/litro
Média de 6/2004: 0,54
Média de 6/2013: 1,14 (211,11)
Inflação apurada pelo IPCA/IBGE
Número do
índice
Junho de 2004 = 100,00
Junho de 2013: 161,07
Inflação apurada pelo INPC/IBGE
Número do
índice
Junho de 2004 = 100,00
Junho de 2013: 160,52
Fontes: Balanço Energético 2013 (MME, 2014); CEPEA/ESALQ;
41
IBGE.
42
Notas:
1
Trata-se da média dos preços semanais recebidos pelas usinas de São Paulo (sem frete, ICMS e PIS/Cofins).
2
Média igual a 100.
Acerca dos dados da tabela 12, cabe lembrar que os produtores alegam que
são medidas tomadas pelos distribuidores que geralmente provocam oscilações
no preço do álcool e que, portanto, são os distribuidores que mais se beneficiam
dessas oscilações, enquanto os fornecedores de cana e os usineiros arcam com os
aumentos nos custos de produção. Esta parece ser uma das razões que levou o
grupo empresarial Cosan, maior empresa produtora de etanol do país, a atuar na
distribuição, logística e diversificação produtiva especializada.
Dados do Balanço Energético Nacional (MME, 2014, p. 140) mostram que o
preço corrente do petróleo importado aumentou de US$ 48,6/bep em 2004 para
US$ 111,4/bep em 2013 e a relação preço da gasolina/preço do álcool caiu de 1,1
para 0,9 no mesmo período. Esta queda pode ser tomada como um indicativo da
procedência da queixa dos produtores setoriais.
43
Como observa Bressan Filho (2010), a consolidação do mercado de etanol no
Brasil depende do convencimento de consumidores e produtores de que “a postura
individualista, praxe da maior parte dos demais setores da economia, não é a forma
41. Esalq, indicador semanal do etanol. Disponível em: Dostları ilə paylaş: |