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Desafios e Caminhos da Pesquisa e Inovação no Setor Sucroenergético no Brasil
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auxílios a projetos por parte das agências estaduais de apoio à pesquisa.
Entre elas evidencia-se o apoio da Agência de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo
(Fapesp) com o programa Fapesp de Pesquisa em Bioenergia (Bioen) desde 2008.
Segundo De Negri, De Negri e Lemos (2008), Nogueira, Kubota e Milani (2011)
e Santos (2015), a ausência de foco em gargalos tecnológicos, a descontinuidade de
linhas de pesquisa e a pulverização de recursos estão entre as dificuldades da P&D
no Brasil e particularmente nos fundos setoriais. As parcerias com indústrias
e instituições públicas de pesquisa, embora ocorram há décadas no país, não
encontram a solidez presente dos países líderes em P&D. No caso da cadeia
produtiva canavieira, as parcerias em P&D são mais intensas e se consolidam em
redes (Santos, 2013), embora dependam de financiamento público, sendo importante,
como ilustra Santos (2015), foco em temas e gargalos em áreas críticas, de alto risco
ou de altos custos, de modo a atrair e orientar as capacidades instaladas.
Este capítulo discute o apoio público para a P&D na área sucroenergética
a partir dos fundos setoriais de inovação
5
do MCTI, que são a principal fonte
deste tipo de financiamento no Brasil. Para tanto, o trabalho descreve o perfil e as
características dos projetos apoiados na área sucroenergética, no período 1999 a
2012, a partir da base de dados do ministério. Por terem ações paralelas aos fundos
setoriais e por serem experiências novas de apoio à P&D, o programa de P&D da
Aneel e o Paiss são também abordados brevemente neste texto.
O capítulo está dividido em cinco seções, além desta Introdução. A seção 2
traz a bibliografia sobre os desafios tecnológicos, a estrutura e as principais
instituições de P&D na área. A seção 3 é dedicada à descrição da metodologia.
Os resultados e a discussão são apresentados nas seções 4 e 5. Por fim, a seção 6
traz outras considerações e sugestões de políticas públicas.
2 DESAFIOS TECNOLÓGICOS E A ESTRUTURA DA PESQUISA NA ÁREA SUCROENERGÉTICA
De acordo com NREL (2007), Kupfer
et al.
(2011) e ABDI (2014), na área de
energias, há mudanças e incertezas, como a indefinição de novas rotas tecnológicas,
padrões de qualidade, desempenho de processos industriais, novas matérias-primas,
equipamentos e viabilidade de coprodutos. Especificamente na área sucroenergética,
esperam-se incrementos tecnológicos em duas perspectivas, sejam elas induzidas
pelo mercado, sejam direcionadoras dele:
• na
parte agronômica, espera-se o uso de novas técnicas agrícolas de produção,
visando o aumento da produtividade agronômica da cana (rendimento
5. Os fundos setoriais têm o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Financiadora
de Estudos e Projetos (Finep) como agências executivas. Para mais detalhes, ver De Negri, De Negri e Lemos (2008);
e Nogueira, Kubota e Milani (2011).
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por área
plantada, rendimento industrial e novas variedades). Os gargalos
técnicos se referem a solucionar a adaptação de novas variedades a diferentes
condições de clima, com maiores teores de açúcar ou fibras, adequar
técnicas de manejo do solo e de plantas, desenvolver máquinas de plantio e
colheita e mudas pré-brotadas (Belardo, Cassia e Da Silva, 2015; Landell
et
al., 2015). O horizonte de rendimento situa-se na casa de 300 t/ha de área
plantada de cana-de-açúcar convencional (alto teor de açúcar) ou energia
(alto teor de fibras);
6
e
• na
parte industrial, espera-se o alcance de formas mais eficientes de uso
da biomassa energética, com avanços no processo de produção, em
novos insumos tecnológicos bioquímicos e no desenvolvimento de rotas
tecnológicas do etanol de segunda geração
7
em particular. No caso do
etanol de segunda geração, os gargalos técnicos da P&D, de acordo com
NREL (2007), ABDI (2014) e Brasil (2013) são:
i) pré-tratamento da
matéria-prima;
ii) hidrólise para obtenção de açúcares fermentáveis;
iii) conversão desses açúcares em etanol por meio de processos bioquímicos
ou termoquímicos; e
iv) aprimoramento de processos de produção e uso
de novas enzimas.
Além desses gargalos orientadores da P&D, estudos nas áreas de viabilidade
de preços, de regulação e concorrência, assim como da adequação produtiva aos
padrões ambientais, são objeto de apoio financeiro do Estado. Os projetos analisados
neste trabalho exemplificam as preocupações também com esse sentido, como
estabelecem as diretrizes dos fundos setoriais (FS). Adianta-se que estão praticamente
ausentes nos investimentos dos FS temas como o desenho e a modelagem de
arranjos de produção ou os estudos sobre a viabilidade do carro elétrico/híbrido a
etanol e ganhos de eficiência veicular com o etanol.
Para facilitar a compreensão do desenvolvimento da P&D na cadeia produtiva
sucroenergética e dos desafios atuais da inovação nessa área, cabe abordar brevemente
os acontecimentos e caminhos percorridos pela pesquisa e pela própria agroindústria
canavieira no Brasil. Como apontam Belik (1985) e Brasil (2006), por várias
6. A pesquisa agrícola aponta resultados de produtividade de 300 t/ha em campos de experimentação de universidades
ligadas à Rede Interuniversitária de Desenvolvimento do Setor Sucroenergético (Ridesa) e do Centro de Tecnologia Canavieira
(CTC), por exemplo. Na produção
em larga escala, obtém-se, atualmente, em torno de 160 t/ha como melhor resultado,
embora raramente alcançado. A produtividade agrícola média no Brasil é de 76 t/ha, conforme discutido no capítulo 6.
7. O etanol de segunda geração, ou 2G, é, por exemplo, a obtenção do etanol a partir de um processo industrial com
etapas físico-químicas e biológicas de transformação de fibras vegetais (materiais ligno-celulósicos) provenientes de
diversas matérias-primas em etanol. Outra forma do etanol 2G pode ser de algas, que tem processo de produção
distinto. A cana energia é uma aposta de matéria-prima de maior rendimento também para o etanol 2G. No padrão
tecnológico atual, a produção do etanol celulósico limita-se ao aproveitamento de um terço até a metade da palha de
cana deixada no campo e de pequena parte de bagaço ainda não utilizada. Para países que não possuem condições
climáticas para a produção da cana, o etanol de segunda geração como o celulósico é a primeira alternativa, enquanto
no Brasil é uma tecnologia a mais.
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décadas, a pesquisa na área sucroenergética foi dependente de universidades públicas
federais e do extinto Instituto do Açúcar e Álcool (IAA).
No final da década de 1960, o setor privado criou o Centro de Tecnologia
da Copersucar (CTC), posteriormente Centro de Tecnologia Canavieira.
No começo da década de 1990, com o fim do IAA e do Planalsucar (criado em 1971),
surgiu a Rede Interuniversitária para o Desenvolvimento do Setor Sucroenergético
(Ridesa), cujo foco é o desenvolvimento de variedades, do manejo, do controle e
do processo produtivo da lavoura da cana
(Ridesa, 2010). A partir dos anos 2000,
ocorreu a ampliação e o redesenho da P&D nessa área, com maior participação
de empresas líderes na produção de petróleo e etanol (Santos, 2013), bem como
a criação de novas infraestruturas públicas de pesquisa em ERs e em biomassa em
particular, completando a base de P&D em etanol no Brasil.
A Embrapa Agroenergia e o Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do
Bioetanol (CTBE) são exemplos mais destacados de novas unidades de pesquisa,
que se somam ao Instituto Nacional de Tecnologia (INT) e a pequenas e médias
infraestruturas das diversas universidades, além de unidades estaduais de P&D,
como o Instituto de Pesquisa Tecnológica do Estado de São Paulo (IPT). Toda essa
base está apta a acessar os fundos setoriais e outros mecanismos de financiamento
à pesquisa em biomassa no país.
2.1 Características das instituições de pesquisa e da inovação na área sucroenergética
O sistema de pesquisa e inovação do complexo canavieiro
difere-se em alguns
aspectos das demais atividades produtivas e do desenho de coordenação do Sistema
Nacional de Pesquisa Agropecuária (SNPA). Primeiramente, por não depender
essencialmente de recursos públicos. Em segundo lugar, por ter um grau de grande
participação e custeio de pesquisas a cargo do setor produtivo, em parcerias contínuas
entre empresas e universidades, o que o difere também da tradição de inovação na
indústria brasileira. E em terceiro lugar, pelo fato de não ter a Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária (Embrapa) como líder da pesquisa ou da sua coordenação,
por questões históricas, tarefa que tem sido efetivada pela Ridesa, como apontam
Santos (2013) e Silva (2013), além do IAC e do CTC, conforme já mencionado.
A Ridesa
8
é atualmente composta por dez universidades federais: São Carlos
(UFSCar), Paraná (UFPR), Alagoas (Ufal), Pernambuco (UFPE), Sergipe (UFS),
Viçosa (UFV), Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Goiás (UFG), Mato Grosso
(UFMT) e Piauí (UFPI). A rede responde pela maior parte da oferta de cultivares
de cana plantada (Ridesa, 2010; 2015) e pela maior área coberta. Assim como
8. A Ridesa conta com 72 bases de pesquisa (estações de cruzamento, subestações de seleção etc.), 142 pesquisadores,
83 técnicos agrícolas e 95 trabalhadores nas áreas operacional e administrativa (Ridesa, 2010). Conta trezentas empresas
conveniadas entre as 368 ativas.
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o IAC e CTC, a Ridesa realiza pesquisa, testes de campo, assistência técnica em
parcerias contratadas pelas indústrias.
A Ridesa é administrada pelos reitores das universidades afiliadas.
Cada uma das instituições federais de ensino superior (Ifes) tem um sistema particular
de administração para definir aqueles que ocuparão as funções de coordenadores
no Programa de Melhoramento Genético da Cana-de-açúcar (PMGCA), o braço
forte da Ridesa, liderado pela UFSCar. A coordenação da rede em cada Ifes é ligada
aos departamentos de engenharia agronômica. A pesquisa conta com profissionais e
recursos laboratoriais de outros departamentos,
como biotecnologia, química, solos,
fitossanidade e engenharia de produção. Santos (2013) e Silva (2013) consideram
que a rede posiciona-se em um campo de complexos elos com baixo grau de
institucionalização, embora seja um caso efetivo de cooperação em pesquisa no país.
A sua estrutura pode, por um lado, impactar a concorrência na P&D privada específica,
pois não se sabe se um conjunto de laboratórios privados teria condições de concorrer
com a rede. Por outro lado, o fato de a Ridesa atuar como rede aberta (trabalha
com as demais instituições de pesquisa, inclusive com grandes grupos econômicos
nacionais e internacionais no desenvolvimento do etanol 2G e da cana energia) é
um fato positivo sob os aspectos de escala e troca de conhecimento.
O principal objetivo dos convênios Ifes/indústrias é o desenvolvimento/
adaptação de cultivares e o manejo para condições edafoclimáticas específicas de cada
solo e bioma. Algumas instituições que compõem a Ridesa desenvolvem máquinas
e equipamentos que são utilizados nas lavouras de cana-de-açúcar. Na promoção
e difusão de tecnologias, a rede conta com ações de integração e fornecimento de
insumos de P&D (como a troca de cultivares e conhecimento entre pesquisadores
e laboratórios em encontros fechados).
Como resultado, de acordo com seus próprios dados (Ridesa, 2015), a
instituição tem o domínio da oferta de cultivares da cana-de-açúcar, alcançando
65% da área plantada em 2015. Em 2010, a rede contava com o registro de
59 variedades liberadas, que, somadas às dezenove produzidas pelo Programa Nacional
de Melhoramento da Cana-de-Açúcar (Planalsucar), representam 58% da área de
cana plantada no país (Ridesa, 2010) e 70% da produção medida em toneladas.
As demais variedades utilizadas à época foram registradas pelo CTC (32%) ou por
outras instituições (10%).
São também de grande relevância as contribuições do CTC, na parte agrícola
e industrial, sendo as ações do centro voltadas
exclusivamente para o setor
produtivo, assim como do IAC, cujos focos são a pesquisa na fase agronômica e os
serviços para as empresas. Essas duas entidades de pesquisa também compõem redes
com as universidades e com as usinas, obtendo financiamento público e privado e
ofertando serviços de P&D e assistência técnica às indústrias e aos agricultores.
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O IAC detém um dos maiores bancos de germoplasma do planeta em seu
campus
de Ribeirão Preto, além de uma tradição secular na pesquisa com a cana-de-açúcar.
Em 2006, o governo federal criou a Embrapa Agroenergia (Brasília) e o CTBE
(Campinas), que iniciaram seus trabalhos em 2007 e 2010 respectivamente.
As duas instituições tratam, principalmente, de processos industriais e do
desenvolvimento de equipamentos, além de ampliar o apoio a outras redes e
instituições públicas e privadas de P&D. Outras unidades da Embrapa desenvolvem
P&D voltada para a etapa agrícola do complexo canavieiro, também em parcerias
com empresas e universidades.
Além dessas instituições, importantes trabalhos de P&D e inovação, principal-
mente em processos industriais, máquinas e outros insumos, foram desenvolvidos
em parcerias entre usinas e indústrias não produtoras de etanol,
como descreve
Abarca (1999). O INT e o IPT, embora também não tenham dedicação exclusiva
à pesquisa em energias da biomassa, contribuem, desde o Proálcool, com estudos
sobre o etanol.
Dessa forma, a pesquisa nesse tema tem dado respostas tecnológicas que
elevaram a produtividade de diversos processos e etapas da cadeia produtiva,
adotadas em distintos graus pelos produtores. O setor produtivo contou com a
importação de bens tecnológicos, em um primeiro momento, e, em seguida, com
o desenvolvimento de uma indústria de base nacional e uma razoável estrutura de
pesquisa com parcerias e redes. Por outro lado, esse modelo não tem sido suficiente
para que a difusão e a adoção de tecnologias alcancem grau satisfatório, como
mostrado em diversos capítulos deste livro. Também não se pode precisar se os
recursos disponibilizados pelo poder público para financiar a pesquisa e a inovação
estejam à altura dos desafios apresentados, questão abordada a seguir.
3 METODOLOGIA PARA A SELEÇÃO DOS PROJETOS DE PESQUISA DA ÁREA SUCROENERGÉTICA
Para efeitos de análise do financiamento a projetos dentro do FNDCT, são
considerados como pesquisa na área sucroenergética, neste trabalho, toda proposta
aprovada pelo fundo com o objetivo de dar respostas científicas ou tecnológicas,
originais ou incrementais, para os desafios desse setor. Incluem-se, como prevê a
regulamentação, pesquisas em insumos agrícolas e industriais, impactos ambientais,
equipamentos e materiais, processos de produção e modelagem de sistemas na área.
Também se incluem projetos destinados a prover infraestrutura dos laboratórios
e à eficiência energética envolvendo a cadeia produtiva.
Essa definição orienta a busca de projetos aprovados junto ao FNDCT, entre
1999 e 2012, na área sucroenergética. A base de registros utilizada foi atualizada
até julho de 2014
pelo MCTI, contendo originalmente 35.090 projetos em todos
os temas cobertos pelos dezessete fundos/ações setoriais e subvenções, consolidados
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pelo ministério até junho de 2014. Sobre essa base, foram aplicados filtros como
se detalha na seção seguinte.
9
3.1 Procedimentos
O recorte adotado de P&D na área em questão abrange projetos com duas características:
i) aqueles de aplicação direta em temas da área sucroenergética – com foco
específico em alguma forma de produção, uso ou impactos econômico, ambiental
ou social das etapas da cadeia produtiva e sua extensão;
ii) projetos de aplicação
indireta – aqueles ligados não apenas com a cadeia produtiva, mas que tenham sido
propostos para esse fim. São exemplos deste segundo caso os estudos não aplicados
sobre enzimas, novos materiais, meio ambiente não relacionado diretamente com a
cadeia produtiva e estudos relacionados com outras energias. Incluem-se também,
quando relacionados à cadeia agroindustrial canavieira, os projetos destinados à
difusão do conhecimento e à formação e eventos da área.
A identificação dos projetos da área foi alcançada a partir de busca utilizando-se
palavras-chave e os campos da base de registros dos projetos contratados pelo MCTI.
Essa base contém 35 descritores/variáveis, entre eles: a descrição do projeto, o título,
o objetivo, as palavras-chave, a instituição de pesquisa, a região, a Unidade
da Federação da pesquisa, o ano de início e término, os valores contratados, o
desembolso, os intervenientes,
as empresas participantes, entre outros.
10
Para facilitar a seleção dos projetos, utilizaram-se palavras-chave
11
de temas e
linhas de pesquisa de grandes instituições atuantes na área, a exemplo daquelas do
box 1 e da relação apresentada em Santos (2015). Também se utilizou de palavras-chave
de demandas específicas da cadeia produtiva (ABDI, 2014), assim como de estudos
e desafios mencionados anteriormente neste texto.
Os procedimentos de seleção partiram da base geral de 35.090 contratos
firmados entre instituições de pesquisa e as duas agências do MCTI, obtidos do
ministério. Foram encontrados projetos com desembolso zero e com duplicação na
base, sendo ambos retirados da sequência da análise. Resultaram 34.452 projetos
com algum desembolso, conforme dados atualizados até abril/2014. A seguir, foram
adotadas as seguintes etapas e filtros para selecionar aqueles da área sucroenergética:
9. Pode haver divergência em relação a bases extraídas antes ou depois desta, uma vez que são feitas atualizações
pelo MCTI, contemplando desembolsos, ajustes, encerramento de projetos, entre outros.
10. As variáveis disponíveis nos registros do MCTI podem ser vistas em Santos (2015) ou no sítio do MCTI:
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